miercuri, 31 decembrie 2008

algumas primeiras doxografias (para encerrar bem o ano, pois é bom encerrar começando)



1- No seu fragmento 147, Heráclito tenta responder à sugestão de Deleuze que a política deva ser pensada antes da ontologia (Mil Platôs). A questão de Heráclito é a tentativa de lidar com o problema que emerge após os principais investimentos da filosofia contemporânea continental, especialmente depois de Heidegger, de Agamben e do próprio Deleuze. O panorama é o seguinte: na ontologia sem metafísica de Heidegger, o ser deixou de ser substância, substantivo, presença e desvelou-se como verbo, acontecimento, evento, um inapreensível fundamento nulo, o sem fundo de um abismo cujo véu é o nada. Pela primeira vez o ser “não é”. Esse âmbito do negativo – o inapreensível, o indizível, o sem fundo abissal – foi superado em Agamben, para quem o ser é aquele que pronunciamos e precisamos pronunciar (por questões políticas!), todavia, sem que o fixemos na palavra. Agamben fala do “ser qualquer” ou da singularidade qualquer, o vulto. Mas será com Deleuze que a ontologia será completamente desconstruída em uma dança de devires, linhas de fuga, velocidades e rizoma, onde o ser já não encontra mais nenhum lugar. Assim, Deleuze afirmará que antes da ontologia precisamos pensar a política. Para Heráclito, portanto, a pergunta é inevitável: depois de Heidegger, Agamben e Deleuze, que ontologia nos resta? O seu fragmento-pergunta vem sugerir que a inversão entre ontologia e política operada por Deleuze, que aponta, talvez possamos afirmar, para a superação da ontologia, não é um caminho necessário, nem mesmo o melhor caminho. Mas não significa que tudo deva permanecer como antes. Como testemunhamos em outros fragmentos, para o filósofo grego, a ontologia que resta é uma ontologia do polemos, ou seja, uma ontologia do embate vigoroso que se dá, como sugeriu algumas vezes, por meio de pequenos des-locamentos ou por dis-posições – uma ontologia despótica. O polemos diz o modo como as coisas são. Todavia, porque o polemos remete a uma micropolítica dos pequenos des-locamentos, nessa ontologia, ética e política se misturam. Portanto, a ontologia não é mais superior à ética e à política como aspirava Aristóteles, mas tampouco a política e a ética são anteriores à ontologia, como desejavam Deleuze e Lévinas. Podemos, enfim, despedirmo-nos da pretensão de uma filosofia primeira. Heráclito quer pensar uma ontologia na qual ser e política necessariamente se confundem. Assim como defendeu belamente no seu fragmento 128: “sem o risco do político não há o que fique na natureza.”

2- No fragmento 154, Heráclito deixa escapar a clara influência sofrida de Deleuze. O filósofo francês afirma: “(...) É verdade que Heidegger conserva o tema de um desejo ou de uma philia, de uma analogia, ou melhor, de uma homologia entre o pensamento e o que existe para ser pensado. É que ele guarda o primado do Mesmo, apesar de supor que este reúne e compreende a diferença como tal. Daí as metáforas do dom, que substituem as da violência” (Diferença e repetição, p.210, nota 9). Embora Deleuze não tenha sido suficientemente justo com Heidegger, pois parece não ter considerado Introdução à Metafísica onde aparece, explicitamente, o tema da violência na discussão de Heidegger sobre o polemos heraclítico, é fato que o ser como dom é aquele que impera no pensamento do filósofo alemão. Assim, parece que o polemos termina “domesticado“ pela philia. Ora, mas o polemos domesticado é o que Heráclito não quer. Por isto afirma que o polemos, e não a philia, diz respeito ao acontecimento das coisas.

3- É sabido que Heráclito, tendo conhecido muitos poetas, tantas vezes preferia a poesia à filosofia. É que o poema parecia ser mais íntimo às coisas. Isso ele invejava em Empédocles, que era mais talentoso para filosofar “poeticamente”, como dizem alguns. Enfim, o que importa é que Heráclito, que teve a oportunidade de conhecer Leminski, inspirado pela sua poesia, não hesitou em afirmar o que ficou conhecido como seu fragmento 153. É que, para o filósofo grego, o poeta traduziu o polemos como nenhum outro filósofo seria capaz. Nas palavras de Leminski: “(...) arrisco crer ter atingido um horizonte longamente almejado: a abolição (não da realidade, evidentemente) da referência, através da rarefação.” Para Heráclito, o polemos nada mais é do que o enfraquecimento (não a negação) da referência.

4- Quando nos aproximamos de Heráclito, o Obscuro, precisamos ter olhos e ouvidos bem abertos. Lemos o fascinante e enigmático fragmento 138 e nos perguntamos: mas como podemos “nos separar” do polemos? Será que tudo o que há não é, na verdade, embate polêmico? Inclusive as separações? E será que não era isso mesmo o que Heráclito desejava mostrar? O mesmo pode ser dito do fragmento 148: ora, como esquecer o polemos? Não acredito que Heráclito tenha afirmado outra realidade oposta ao polemos, que tenha erguido inimigos externos e polarizado a guerra em um raciocínio binário, mas, de modo diverso, que tenha apenas tentado nos fazer ver, como gosta de dizer, o sentido despótico do polemos que perfaz tudo. Mesmo quando “pomos” e o polemos “dis-põe”, como anuncia o fragmento 140 – um dos mais belos de Heráclito e que nos conta uma verdade inegável –, podemos entender esse diálogo como um jogo de deslocamentos do mesmo (não do idêntico!) que compõe a sinfonia dos devires. Um devir é puro embate polêmico. Também as identificações, individuações, especificações, tipificações e registros são constantemente exigidos e, ao mesmo tempo, desconstruídos pelo polemos, pois são sempre aquilo que instauramos “a partir” do polemos. Interpretamos essa condição não como uma oposição, mas como uma co-operação que, por sua vez, não afirma um ajustamento de dois distintos, senão um emaranhado de forças e dis-posições. Seja como for, não temos nunca a banalidade de uma mera oposição polarizada. E a leitura que estamos defendendo fica clara, por exemplo, pelos fundamentais fragmentos 155, 152 e 137, entre alguns outros. Sabemos, todavia, que tudo isso ainda precisa ser melhor esclarecido.

5- Quem não compreendeu como podemos nos separar do polemos ou como podemos dele nos esquecer, não entendeu que a physis, que é polemos, gosta de ocultar-se (frgs. 156 e 157). Os poderosos da vez (frg.138) e a Política (frg.148) não são oposições ao despotismo polêmico, mas desdobramentos que sobram quando o polemos escapa de repente, sem dar qualquer aviso, pela porta dos fundos. Ou mesmo resistências que impomos quando nos incomodamos de recebê-lo, repentinamente, em nossa sala de visitas pela porta da frente. Não somos “outro” do polemos, mas somos e estamos no próprio polemos, mergulhados no embate polêmico com tudo o que há. O que nos falta compreender é que os sentidos dos des-locamentos são infinitos e vão das revoluções aos embalsamentos. Mas nada é fixo embora, às vezes, possamos nos iludir a respeito. Os muitos des-locamentos esbarram continuamente uns nos outros – amam-se e estranham-se e criam novas dis-posições. Tudo é desejo.

6- O desejo, para Heráclito, não é uma disposição psicológica nem tampouco remete a algum tipo de subjetivismo. Isso Heráclito sabiamente decidiu manter da antigüidade grega, em particular, pré-socrática: a inexistência do sujeito e de qualquer tipo de subjetividade. Melhor assim, pensava o filósofo, para quem a idéia de sujeito ou mesmo a de interioridade causava arrepios. De nenhuma forma o filósofo grego propõe um humanismo. Desejos são forças dis-postas, forças despóticas que assumem certas direções e não outras, para depois assumir outras e não certas, em uma dança de devires fluídos e rizomáticos. Desejo é o acontecimento do polemos, como bem defendeu o filósofo (frg.160) e, para afirmá-lo ainda com mais clareza, em algum momento Heráclito referiu-se ao “amor envolvente” de Empédocles (frg. 159), a quem ninguém poderia acusar de humanista (como podemos notar, Heráclito tinha a mania de jogar humanismo, subjetivismo e interioridade no mesmo saco, sem qualquer distinção). Para ajudar Heráclito, poderíamos também falar de Buber, para quem, apesar do seu noto humanismo, o amor não é algo que alguém possui ou que de alguém emana, mas é o que acontece “entre” (Eu e Tu, p.17). Talvez isso nos traga alguma luz. Desejos são o “entre” (a dificuldade é entender se há algo que não seja “entre”- o que há além ou aquém dos desejos?). Os desejos constituem a micropolítica do polemos.

7- Muito se discutiu sobre o fragmento 119 de Heráclito: ethos antropos daimon. Destacamos duas posições - a de Heidegger e a de Agamben - que contestam a habitual interpretação do fragmento como “o caráter do homem é o seu demônio”. Tudo depende de como compreendemos daimon. Para o filósofo alemão, daimon significa “o Deus”. O “Deus”, por sua vez, pode ser entendido como o “não familiar”, o extraordinário, que, para Heidegger, nada mais é além do acontecimento do ser. O daimon traduz, portanto, a presença do extraordinário no ordinário. Daqui podemos interpretar o ethos, entendido por Heidegger como a habitação humana, como o espaço de manifestação da verdade do ser e, assim, o filósofo alemão pôde ler o fragmento 119 da seguinte forma: “a habitação (o familiar) é para o homem o aberto para a presentificação do Deus (o não familiar)” (Carta sobre o humanismo, tradução de E. Stein). Agamben discordará desta leitura. Para o italiano, daimon não representa a figura divina, mas é esclarecido a partir do verbo daiomai que significa “lacero, dividido”. Portanto, temos daimon, o que lacera, cinde e divide (A linguagem e a morte, p.128). Desse modo, para Agamben, o fragmento de Heráclito fica assim: “ O êthos, a morada habitual, é , para o homem, aquilo que lacera e divide”. A interpretação do filósofo italiano abre uma compreensão muito nova sobre o fragmento heraclítico e, à luz dos fragmentos posteriormente encontrados, remete-nos imediatamente ao polemos. O que lacera e divide pode ser lido como o que des-loca e dis-põe. Poderíamos, então, dizer: “a morada habitual do homem é o seu polemos”. O humano somente está “em casa” habitando o polemos. Daí podemos arriscar esclarecer os novos fragmentos 164 e 167. Tudo que acalma, tudo que acomoda, tudo o que é virtuoso é um demônio para o humano porque corrompe enquanto separa do polemos. Mas, por outro lado, o próprio polemos, ou seja, tudo o que cinde e divide, tudo o que dis-põe, é uma virtude para o humano porque lança-o no acontecimento das coisas. O polemos é o nosso ethos.

Mais um!

167. O demoníaco é para o homem uma virtude.

marți, 30 decembrie 2008

Outros mais...


161. Certa vez asseverei: “O asno prefere o feno ao ouro”. Não sei se me entenderam, de forma que hoje quero dizer, dessa vez de forma cômica: “O homem prefere o ouro ao feno!”

162. O sol enquanto luz obscurece pois revela em excesso (...) somente o raio enquanto clarão das trevas ofusca e cega o bastante para iluminar e dispor.

163. Somente os que se escondem bem podem se poupar dos aborrecimentos da lei (...) mesmo a natureza busca se esconder das leis que lhe são atribuídas.

164. A virtude é para um homem o seu demônio.

165. O conflito envolve todas as coisas na problematização na mesma medida em que faz-se escutar enquanto lógos e se roçar enquanto natureza.

166. As crianças são as mais espertas ainda que tratadas como retardadas, enquanto os homens são os mais retardados ainda que tratados como os mais espertos.

sâmbătă, 27 decembrie 2008

Mais fragmentos...



156. Nunca compreendi porque traduzem physis por “natureza”(embora eu mesmo, um tanto confuso, tenha assumido essa interpretação uma ou outra vez). A partir de tal interpretação, o meu fragmento 123 é comumente lido assim: ”a natureza ama esconder-se”. Mas como poderia a natureza esconder-se? – pergunto atônito. A natureza está aí, e a ciência a incomoda constantemente com os seus dedos curiosos e impertinentes. Physis é bem outra coisa. Gosto particularmente daquela sugestão de Heidegger – “vigor imperante”. Em uma leitura livre, diria que a physis não é a coisa, mas o vigor: o florescer da rosa, o cantar de todo o canto, o dar-se de todo ser. Somente a physis, assim compreendida, pode ocultar-se! Quem já deteve o vigor que emerge? Apreende-se, sem dúvida, uma rosa, mas não o seu florescimento.

157. Porque a physis é o vigor (e não propriamente a coisa), posso dizer que physis e polemos são o mesmo. É que a physis não é suave linha que desenha e define, mas turbilhão que dissemina e arrebata. Physis é inauguração e ruptura. Como a explosão de uma fonte do íntimo da terra úmida.

158. Costumam atribuir a mim a palavra grega philósophos que remeteria àquele que ama o sophón. Daí muita coisa mais se disse, como: “o elemento específico de philein do amor, pensado por Heráclito, é a harmonia que se revela na recíproca integração de dois seres, nos laços que os unem originariamente numa disponibilidade de um para com o outro”. (Heidegger, O que é isto- a filosofia?, p.32) Mas é preciso compreender bem, pois eu defenderia que a dis-ponibilidade nada mais é senão o embate do polemos . Humano e sophón se amam enquanto se entranham e se desentranham. Somente no conflito, o amor. O amor que des-faz e des-loca. O amor que é diálogo do estranhamento fascinado.

159. Mas como entender a micropolítica do polemos? Como pequenos des-locamentos, já afirmei certa vez. E o que são, afinal, esses ditos des-locamentos? – poderia alguém curioso ou confuso perguntar. Nada além de “desejos” – respondo eu. Ou talvez, para usar uma delicada expressão de Empédocles da qual gosto muito, “amor envolvente” (o que envolve não é o que absorve e acomoda, mas o que abre e amplia, o que dis-põe, como a brisa do mar que invade as narinas ou o sal das águas que arde na pele depois do enfrentamento das ondas. Falo do amor dos que não dormem).

160. Desejo e polemos são um.

joi, 25 decembrie 2008

Fragmentos de Heráclito de 125 a 155

125. Até aveia se separa se não for mexido, agitado. E, Efésios, que vocês fiquem sendo ricos para que seja exibida a sua ruindade.

126. Coisas frias esquentam, o que é quente esfria; o que é molhado seca e o que é úmido estorrica.

Nem só de 126 fragmentos vive nossa memória de Heráclito. O homem fragmentou muito mais, ainda que a harmonia visível daqueles primeiros 126 pedaços pareça superior a qualquer harmonia invisível de fragmentos perdidos pelas gavetas de filósofos cheios de segredos. É que Heráclito não quis mais saber de Efesos depois que a cidade expulsou Hermodoro. Aproveitou e seguiu o melhor homem - que nunca havia entrado no mesmo mar duas vezes - para o norte e chegaram a Assos de onde contemplavam Lesbos, a ilha de Sapho trêmula onde deitaram em umas ondas ofegantes. Ali, naquela praia sempre cheia de turcos e espreguiçadeiras e onde começaram a esfregar physis e nous, Heráclito começou a largar mais fragmentos. Houve um dia em que ele encontrou uma turista remota e enviou seus alfarrábios para um lugar seco que umedece. Ela lhe prometeu que iria para o cerrado ao redor de Brasília, guardá-los em uma casa em cima de uma árvore. Com as escavações arqueológicas promovidas pela tentativa de construir o setor noroeste da cidade, os fragmentos foram encontrados. O Instituto de Patrimônio Heraclítico assegurou que o texto é completamente espúrio, que não tem valor arqueológico algum - seria uma mera invenção de uns poucos intérpretes de Heráclito que nem sequer formam uma tribo. Vejam vocês:


127. Nem só de esconder-se brinca a natureza. Também sopra balões, reune-se em rodinhas de briga de galo, come chocolates e procura recantos secretos para deitar-se com o logos. Diz-me muito mal das tais leis que ultimamente todos lhe atribuem: diz que elas estão cheias de casuísmos e foram outorgadas por alguém que nunca sentiu o ar aquecido pelas patas das joaninhas que andarilham nos fins de primavera. São leis que ninguém consegue cumprir. Lei, como eu disse no já meu fragmento 33 de saudosa memória, é persuadir-se a vontade de um só. A natureza gosta de espalhar as vontades, de contrapor as forças, de ver o que acontece à ordem quando ela é posta em uma campo de refugiados. Li um fragmento contemporâneo que diz que a natureza gosta de reembaralhar as perguntas, para que ninguém lhe responda de uma vez por todas. Ela não faz nada de uma vez por todas - gosta de refazer, e de burilar, de retocar e de por tudo a perder refazendo todos os entes com areia molhada e os dispondo na beira do mar.

Alguns aforismos que se seguem testemunham a afluência de filósofos desde Crátilo sobre Heráclito. Heráclito começou peregrinando pela Jônia:

128. Em verdade, não deixamos de entrar duas vezes no mesmo rio como anteriormente afirmei (frg.91), mas não entramos sequer uma única vez. As águas nunca são as mesmas. Crátilo viu bem que uma vez já é vez demais. Aquilo que permanece fixo, é mundo embalsamado – sem o risco do político não há o que fique na natureza. Crátilo dizia que a água que chega a planta do pé não é a mesma que chega ao calcanhar. E nem sequer a água que molha a planta do pé é a mesma. Nem a mesma gota, nem o mesmo pingo. Nem a mesma enxurrada.

Heráclito, depois da Jônia, parece que esteve mesmo em Agrigento, no coração da que é eleata, e andou pelos rochedos perto do mar respirando e inspirando Empédocles. Sobraram uns fragmentos:

129. De tudo decorrem emanações. Cabelos emanam, folhas emanam. Empédocles já foi planta e pássaro, moço e moça, pois sabia que nada cauteriza o polemos. Nem se controla o explendor das vinganças subreptícias substituindo florestas por jardins. A discórdia não pára nem com liminar da justiça.

130. De todas as partes pode provir o rompimento, tudo pode irromper; as conspirações são os sopros e as respirações das coisas. As unidades se quebram, mas nem é que no limite da quebradeira encontramos algum constituinte atômico: é feito de fugas o que há. Cada parte, desde o mais miúdo até às constelações amontoadas, carrega a potência do rompimento. [...] E nem sequer é o polemos alguma matéria-prima, qualquer matéria pode trair seu estatuto de prima.

Há trechos na grande peregrinação de Heráclito em direção a um ocidente ao ocidente do ocidente que nunca foram desenhadas em um itinerário. Por onde teria andado aquele Obscuro quando a Europa se enchia de artimanhas para confinar o polemos nos confessionários? Dos muitos volumes sobre a natureza, como de hábito, sobraram apenas uns poucos fragmentos.

131. Tudo depende do polemos, até o medo e a tentação pelo polemos.


133. Logos é polemos; diz Heidegger (Intro a Metafísica, 2, 1) que são mesmo o mesmo. Logos, entendido como Heidegger quer, é o que depõe, não é o que nega e nem o que instaura, mas o que des-põe, o que é o déspota – é assim que ele me entende quando digo que o polemos "cria alguns como escravos, outros como mestres" (fragmento 53).

Mas parece que Heráclito aprendeu com Crátilo a desacreditar na comunicação através das línguas e lia cada tradução como se fosse um novo texto.

134. A tradução brasileira da interpretação de Heidegger do meu fragmento 53 (Introdução à Metafísica, p.89) possibilita uma intuição fecunda acerca do polemos. Parece-me um dos raros casos em que a tradução supera o autor. Para esta tradução brasileira, a palavra alemã Auseinandersetzung, usada por Heidegger para traduzir polemos para a língua alemã, é lida, no contexto da reflexão heideggeriana, como “dis-posição”. Atenção a esta palavrinha aparentemente inocente. A partir dela, o polemos deixa de representar o conflito binário entre opostos e começa a dizer-se como algo que desfaz uma posição, que des-loca. O polemos, assim, pode assumir múltiplas possibilidades antes impensadas, como uma rede de possibilia emaranhadas e distintas que se esbarram e se abandonam freneticamente. O polemos, assim compreendido, não exige mais inimigos, mas apenas e tão somente anuncia contínuos des-locamentos.

135. O polemos é o principio pelo qual a dis-posiçao hierárquica dos esbarroes em seu grau de intensidade se dá e por isso o princípio produtor daquilo que se mostra como ser.
Heráclito também passou por grandes cidades e atravessou grandes montanhas. Preferia se mover devagar, parece que aprendeu um pouco da paciência eleata.

136. Os “pequenos deslocamentos” chegaram até mim por meio de Agamben (La communitá che viene, pp.45-47). O filósofo cita Bloch: "Tutto sarà com'é ora, solo un po' diverso." Para que venha o Novo Reino, defende o filósofo italiano, basta que ocorram pequenos deslocamentos. Ora, mas o que são estes pequenos des-locamentos senão dis-posições polêmicas?


137. Apesar da tradução brasileira de Auseinandersetzung (polemos) como dis-posição, verdade seja dita: Heidegger terminou por submeter esta dis-posição à relação ente-ser e, assim, sua fecunda intuição (ou intuição da tradução brasileira?) sucumbiu ao binarismo. Vemos, então, o embate violento entre ente e ser em Introdução à metafísica, que se transforma, na Origem da Obra de Arte, no embate terra-mundo. Mas o polemos é outra coisa. Como afirmou certa feita Deleuze (sem, propriamente, referir-se ao polemos), “não se trata de resolver tensões no idêntico, mas de distribuir disparates numa multiplicidade” (Diferença e Repetição, p. 86). O mesmo digo eu do polemos.

138. O mais forte, eu gostava de dizer, ganha não pela lei do mais forte, mas porque é o mais forte - e se pendurar nos valores estabelecidos (ao invés de depô-los, de dispô-los e de tratá-los como um déspota trataria) como fazem os poderosos da vez, enfraquece, pára o polemos; conta que vai ficar posto o que alguém já pôs (Ständigkeit). As forças estão no polemos - a fraqueza na nossa separação dele.

139. Logocentrismo vs polemocentrismo: o polemos não tem centro - talvez o logos de Heidegger também não tenha. Mas há um tema de pós-humanismo aqui: no começo era o polemos não é no começo era o logos a não ser que o logos esteja por toda parte. Confinar a política aos domínios onde a natureza se cala - e pensar com a fronteira entre o que é natural e o que não é (ou o que já não é) - é separar a physis do logos, e a physis do polemos. Talvez tenha melhor resultado a seguinte performance: declaro que o polemos é logos e que é physis. E calar quanto a transitividade.

140. O déspota não é um sujeito - o polemos é o escombro do Gott ist Töt; o polemos é o Gottdammerung. No polemos não há o próprio; o próprio é o que está livre do assalto do mundo, o que está escondido na caverninha íntima das coisas e polemos é sempre Wesendammerung. Assim as disposições - as disposições são a marca do impróprio em nós. O polemos é déspota que sempre des-põe, que nunca se transforma de forte em poderoso. O polemos é o impacto das possibilia sobre nós: nós pomos (identificamos, individuamos, especificamos, tipificamos, registramos) e o polemos dispõe.

141. A substituição da physis que é polemos por um domínio de leis (a natureza que deixou de ser forte para ser poderosa, para ser guardiã das necessidades caprichosas que são as leis da natureza - que passou a ser governante e não mais déspota) empurrou para longe as disposições soltas, a physis foi colonizada de ordem e progresso - o polemos foi empurrado na vala comum do acaso.

142. O polemos é o que torna as coisas prenhes. Todas as coisas tem seu nascimento e fazem nascer; a falsificação que as maiorias fazem é dizer que as coisas desaparecem – inventam um deus da escassez. Já a abundância é que faz a queda de braço entre todas as coisas.

143. Heidegger diz que a percepção é o acontecimento que toma conta dos homens. A percepção é incorporação, é conta sendo tomada – pelos olhos, pelas ventas, pelas antenas, pelas areias. Tudo toma conta de tudo. [...] vento, fogo e poeira – tudo invade tudo.

144. Os homens, para alcançarem o logos deveriam tornar-se like rolling stones.

145. O polemos, a partir da sua original leitura como dis-posição, define uma micropolítica dos des-locamentos. O modo de ser das coisas não é algo dado, uma substância, um ser, mas dis-posições polêmicas que, em seus pequenos e constantes des-locamentos, tecem a sua micropolítica. Wesendammerung?


146. Muito depende de como compreendemos o “mesmo”. O mesmo não é a identidade do idêntico, mas o acontecimento da diferença, assim como bem entendeu Deleuze (Diferença e Repetição, p.92) ou como eu mesmo outrora, de certa forma, sustentei (frgs. 8 e 10).

147. Então, pergunto a Deleuze: como pensar a política antes da ontologia?


148. As Políticas (ou macropolíticas) nascem das referências que inventamos. Porém, a Política, enquanto se afirma referência, precisa se opor ao modo de ser polêmico das coisas. A Política nada mais é do que o esquecimento do polemos. Que as Políticas sejam superadas pelos pequenos des-locamentos, essa é a nossa micropolítica. Uma política minimalista do trânsito das ontologias. Uma micropolítica do polemos.


149. Recordando o que dizia, “eu me procurei a mim próprio” (frg.101). Porém, depois descobri, não sem surpresa, que eu era sempre outro de mim e que o “próprio” não passava de uma dança de devires. Demorei a entender porque ainda não havia encontrado Deleuze naquela bela tarde entre amigos.

150. [...] em mim encorporam os filósofos que não põem garras nas coisas [...]

151. Esterco contém a água – mas cada coisa, como eu disse (fr. 16), não pode escapar do que não se põe se bem que possa dispor de tudo. Aquilo que se põe se depõe – talvez esteja aí uma diferença ontológica. Mas do que não podemos escapar?

152. Os pequenos des-locamentos não são antíteses de teses. Não submetemos o polemos à identidade.

153. A rarefação enfraquece a referência.

154. Polemos, e não philia. Este é o acontecimento das coisas.

duminică, 21 decembrie 2008

Fragmentos impávidos II

Depois do seu mais belo fragmento, o 127, Heráclito perdeu sua criatividade e escreveu aforismos mais sisudos, como poderão testemunhar. O fragmento 128 demonstra até certo arrependimento e os fragmentos 135 e 138 foram plagiados de um blog.

128. Em verdade, não deixamos de entrar duas vezes no mesmo rio como anteriormente afirmei (frg.91), mas não entramos sequer uma única vez. As águas nunca são as mesmas.
129. Tudo depende de como compreendemos o “mesmo”. O mesmo não é a identidade do idêntico, mas o acontecimento da diferença, assim como bem entendeu Deleuze (Diferença e Repetição, p.92) ou como eu mesmo outrora, de certa forma, sustentei (frgs. 8 e 10).
130. A tradução brasileira da interpretação de Heidegger do meu fragmento 53 (Introdução à Metafísica, p.89) possibilita uma intuição fecunda acerca do polemos. Parece-me um dos raros casos em que a tradução supera o autor. Para esta tradução brasileira, a palavra alemã Auseinandersetzung, usada por Heidegger para traduzir polemos para a língua alemã, é lida, no contexto da reflexão heideggeriana, como “dis-posição”. Atenção a esta palavrinha aparentemente inocente. A partir dela, o polemos deixa de representar o conflito binário entre opostos e começa a dizer-se como algo que desfaz uma posição, que des-loca. O polemos, assim, pode assumir múltiplas possibilidades antes impensadas, como uma rede de possibilia emaranhadas e distintas que se esbarram e se abandonam freneticamente. O polemos, assim compreendido, não exige mais inimigos, mas apenas e tão somente anuncia contínuos des-locamentos.
131. Os “pequenos deslocamentos” chegaram até mim por meio de Agamben (La communitá che viene, pp.45-47). O filósofo cita Bloch: "Tutto sarà com'é ora, solo un po' diverso." Para que venha o Novo Reino, defende o filósofo italiano, basta que ocorram pequenos deslocamentos. Ora, mas o que são estes pequenos des-locamentos senão dis-posições polêmicas?
132. Apesar da tradução brasileira de Auseinandersetzung (polemos) como dis-posição, verdade seja dita: Heidegger terminou por submeter esta dis-posição à relação ente-ser e, assim, sua fecunda intuição (ou intuição da tradução brasileira?) sucumbiu ao binarismo. Vemos, então, o embate violento entre ente e ser em Introdução à metafísica, que se transforma, na Origem da Obra de Arte, no embate terra-mundo. Mas o polemos é outra coisa. Como afirmou certa feita Deleuze (sem, propriamente, referir-se ao polemos), “não se trata de resolver tensões no idêntico, mas de distribuir disparates numa multiplicidade” (Diferença e Repetição, p. 86). O mesmo digo eu do polemos.
133. O polemos, a partir da sua original leitura como dis-posição, define uma micropolítica dos des-locamentos. O modo de ser das coisas não é algo dado, uma substância, um ser, mas dis-posições polêmicas que, em seus pequenos e constantes des-locamentos, tecem a sua micropolítica. Wesendammerung?
134. Então, pergunto a Deleuze: como pensar a política antes da ontologia?
135. As Políticas (ou macropolíticas) nascem das referências que inventamos. Porém, a Política, enquanto se afirma referência, precisa se opor ao modo de ser polêmico das coisas. A Política nada mais é do que o esquecimento do polemos. Que as Políticas sejam superadas pelos pequenos des-locamentos, essa é a nossa micropolítica. Uma política minimalista do trânsito das ontologias. Uma micropolítica do polemos.
136. Recordando o que dizia, “eu me procurei a mim próprio” (frg.101). Porém, depois descobri, não sem surpresa, que eu era sempre outro de mim e que o “próprio” não passava de uma dança de devires. Demorei a entender porque ainda não havia encontrado Deleuze naquela bela tarde entre amigos.
137. Os pequenos des-locamentos não são antíteses de teses. Não submetemos o polemos à identidade.
138. A rarefação enfraquece a referência.
139. Polemos, e não philia. Este é o acontecimento das coisas.

vineri, 19 decembrie 2008

Essa são as pgs 66 e 67 de introdução a metafísica de heidegger, nas quais ele trata do pólemos.

Heraklit sagt (Frgm. 53): polemos panton men pater esti, panton de basileus, kai tous men theous edeixe tous de anthropous, tous men doulous epoiese tous de eleutherous.
Auseinandersetzung ist allem (Anwesenden) zwar Erzeuger (der aufgehen laBt), allem aber (auch) waltender Bewahrer. Sie laBt namlich die einen als Gotter erscheinen, die anderen als Menschen, die einen stellt sie her(aus) als Knechte, die anderen aber als Freie.
Der hier genannte polemos ist ein vor allem Gottlichen und Menschlichen waltender Streit, kein Krieg nach menschlicher Weise. Der von Heraklit gedachte Kampf laBt im Gegeneinander das Wesende allererst auseinandertreten, laBt Stellung und Stand und Rang im Anwesen erst beziehen. In solchem Auseinandertreten eroffnen sich Klufte, Abstande, Weiten und Fugen. In der Aus-einandersetzung wird Welt. [Die Auseinandersetzung trennt weder, noch zerstort sie gar die Einheit. Sie bildet diese, ist Sammlung (Logos). Polemos und logos sind dasselbe.]
Der hier gemeinte Kampf ist ursprunglicher Kampf; denn er laBt die Kampfenden allererst als solche entspringen; er ist nicht ein bloBes Berennen von Vorhandenem. Der Kampf entwirft und entwickelt erst das Un-erhorte, bislang Un-gesagte und Un-gedachte. Dieser Kampf wird dann von den Schaffenden, den Dichtern, Denkem, Staatsmannem getragen. Sie werfen dem uberwaltigenden Walten den Block des Werkes entgegen und bannen in dieses die damit eroffnete Welt. Mit diesen Werken kommt erst das Walten, die phisis, im Anwesenden
zum Stand. Das Seiende wird jetzt erst als solches seiend. Dieses Weltwerden ist die eigentliche Geschichte. Kampf laBt nicht als solcher nur ent-stehen, sondern er allein bewahrt auch das Seiende in seiner Standigkeit. Wo der Kampf aussetzt, verschwindet zwar das Seiende nicht, aber Welt wendet sich weg. Das Seiende wird nicht mehr behauptet [d. h. als solches gewahrt]. Es wird jetzt nur vor-gefunden, ist Befund. Das Vollendete ist nicht mehr das in Grenzen Geschlagene [d. h. in seine Gestalt Gestellte], sondem nur noch das Fertige, als solches fUr jedermann Verfugbare, das Vorhandene, darin keine Welt mehr weltet -vielmehr schaltet und waltet jetzt der Mensch mit dem Verfugbaren. Das Seiende wird Gegenstand, sei es fur das Betrachten (Anblick, Bild), sei es fur das Machen, als Gemachte und Berechnung. Das ursprunglich Waltende, die phisis, fallt jetzt herab zum Vorbild fUr das Abbilden und Nachrnachen. Natur wird jetzt ein besonderer Bereich im Unterschied zur Kunst und zu allem Herstellbaren und PlanrnaBigen. Das ursprunglich aufgehende Sichaufrichten der Gewalten des Waltenden, das phainesthai als Erscheinen im groBen Sinne der Epiphanie einer Welt, wird jetzt zur herzeigbaren Sichtbarkeit vorhandener Dinge. Das Auge, das Sehen, das ursprunglich schauend einstmals in das Walten erst den Entwurf hineinschaute, hineinsehend das Werk her-stellte, wird jetzt zurn bloBen Ansehen und Besehen und Begaffen. Der Anblick ist nur noch das Optische. (Schopenhauers» Weltauge« -das reine Erkennen ...)

marți, 16 decembrie 2008

Os fragmentos impávidos de Heráclito I

Nem só de 126 fragmentos vive nossa memória de Heráclito. O homem fragmentou muito mais, ainda que a harmonia visível daqueles primeiros 126 pedaços pareça superior a qualquer harmonia invisível de fragmentos perdidos pelas gavetas de filósofos cheios de segredos. É que
Heráclito não quis mais saber de Efesos depois que a cidade expulsou Hermodoro. Aproveitou e seguiu o melhor homem - que nunca havia entrado no mesmo mar duas vezes - para o norte e chegaram a Assos de onde contemplavam Lesbos, a ilha de Sapho trêmula onde deitaram em umas ondas ofegantes. Ali, naquela praia cheia de turcos e espreguiçadeiras e onde começaram a esfregar physis e nous, Heráclito largou mais fragmentos, muitos mais, 126 mais.
Ele os enviou por uma turista para um lugar longe da água. Ela lhe sussurrou que iria para o cerrado ao redor de Brasília e iria guardá-lo em uma casa em cima de uma árvore. Com as escavações arqueológicas promovidas pela tentativa de construir o setor noroeste da cidade, os tais fragmentos foram encontrados. O Instituto de Patrimônio Heraclítico assegurou que o texto é completamente espúrio, que não tem valor arqueológico algum - seria uma mera invenção de uns poucos intérpretes de Heráclito que nem sequer formam uma tribo. Vejam vocês:

127. Nem só de esconder-se brinca a natureza. Também sopra balões, reune-se em rodinhas de briga de galo, come chocolates e procura recantos secretos para deitar-se com o logos. Diz-me muito mal das tais leis que ultimamente todos lhe atribuem: diz que elas estão cheias de casuísmos e foram outorgadas por alguém que nunca sentiu o ar aquecido pelas patas das joaninhas que andarilham nos fins de primavera. São leis que ninguém consegue cumprir. Lei, como eu disse no já meu fragmento 33 de saudosa memória, é persuadir-se a vontade de um só. A natureza gosta de espalhar as vontades, de contrapor as forças, de ver o que acontece à ordem quando ela é posta em uma campo de refugiados. Li um fragmento contemporâneo que diz que a natureza gosta de reembaralhar as perguntas, para que ninguém lhe responda de uma vez por todas. Ela não faz nada de uma vez por todas - gosta de refazer, e de burilar, de retocar e de por tudo a perder refazendo todos os entes com areia molhada e os dispondo na beira do mar.

Disposições, conflito, deposições, logos

Logos é polemos; diz Heidegger (Intro a Metafísica, 2, 1) que são mesmo o mesmo. Logos, entendido como Heidegger quer, é o que depõe, não é o que nega e nem o que instaura, mas o que des-põe, o que é o déspota - "que cria alguns como escravos, outros como mestres", como no Heráclito no fragmento 53.

O mais forte, eu gostava de dizer, ganha não pela lei do mais forte, mas porque é o mais forte - e se pendurar nos valores estabelecidos (ao invés de depô-los, de dispô-los e de tratá-los como um déspota trataria) como fazem os poderosos da vez, enfraquece, pára o pólemos; conta que vai ficar posto o que alguém já pôs (Ständigkeit). As forças estão no polemos - a fraqueza na nossa separação dele.

Logocentrismo vs polemocentrismo: o polemos não tem centro - talvez o logos de Heidegger também não tenha. Mas há um tema de pós-humanismo aqui: no começo era o polemos não é no começo era o logos a não ser que o logos esteja por toda parte. Confinar a política aos domínios onde a natureza se cala - e pensar com a fronteira entre o que é natural e o que não é (ou o que já não é) - é separar a physis do logos, e a physis do polemos. Talvez tenha melhor resultado a seguinte performance: declaro que o polemos é logos e que é physis. E calar quanto a transitividade.

O déspota não é um sujeito - o polemos é o escombro do Gott ist Töt; o polemos é o Gottdammerung. No polemos não há o próprio, o próprio é o que está livre do assalto do mundo, o que está escondido na caverninha íntima das coisas e o polemos é Wesendammerung. Assim as disposições - as disposições são a marca do impróprio em nós. O polemos é déspota que sempre des-põe, que nunca se transforma de forte em poderoso. O polemos é o impacto das possibilia sobre nós: nós pomos (identificamos, individuamos, especificamos, tipificamos) e o polemos dispõe.

A substituição da physis que é polemos por um domínio de leis (a natureza que deixou de ser forte para ser poderosa, para ser guardiã das necessidades caprichosas que são as leis da natureza - que passou a ser governante e não mais déspota) empurrou para longe as disposições soltas, a physis foi colonizada de ordem e progresso - o polemos foi empurrado na vala comum do acaso.

marți, 14 octombrie 2008

Potências e necessidades

Hoje discutimos o tema das necessidades. Pode parecer que um humeanismo invertido (que entenda que há potências no mundo e nós projetamos necessidades em forma de leis além de objetos e eventos fixos) também entende que conexões necessárias são projeções nossas: um humeanismo invertido assim ainda é humeano. Necessidades (fixas) estariam inscritas nas potências apenas se valessem condicionais - se valesse uma análise condicional das disposições. O humeanismo invertido é um mundo de tendências sem necessidades fixas - nem é que nós introduzimos potências em um mundo inanimado e acidental mas nós apenas domamos as potências em necessidades fixas. Tais necessidades são o produto da postulação de uma ordem necessária transcendente - independente de qualquer configuração de potências. Mas a projeção da necessidade - no caso do humeanismo invertido - tem um lastro nas disposições, nas tendências, nas potências.

marți, 30 septembrie 2008

Ontologia das potências

Por que a política vem antes do ser?
Cada modo de ser que atualmente persevera na existência é constituído por componentes díspares em conflito. Mas o problema é ainda anterior, pois o próprio plano do qual eles se dizem está implicado no retorno seletivo da diferença, ora esse retorno se dá na seleção de forças de naturezas distintas e irredutíveis, na política de um embate mais originário que é da onde pode surgir alguma concepção do ser. Por isso a política vem antes do ser, o que acarreta certamente em uma outra relação prática com o pensamento e com o mundo.

O pólemos é o único princípio de uma filosofia crítica.
A cada vez que se instaura um princípio em filosofia que não seja o problemático, a própria problematização, trai-se o ato do pensamento submetendo-o a coordenadas transcendentais que o estabiliza em dogmas. O pensamento é de direito a arma que envolve os dogmas e as reatividades no embate originário e seletivo do retorno, ainda que ele não o seja muitas vezes de fato. Com isso se recaracteriza a tradição como uma imagem dogmática do pensamento (nous) em seu projeto de dominação e controle da natureza (physis). A tradição que todo ao longo de sua história poupou e compactuou com autoridades arbitrárias, traindo o pensamento em sua maior potência do envolver-se no problemático.

O plano de imanência é o plano crítico envolvido no pólemos.
A partir de um tal princípio (o problemático) pode-se construir uma nova imagem do pensamento (nous) e uma outra relação com a natureza (physis). Dessa opção política pelo questionamento decorre uma ontologia que aqui chamamos de ontologia das potências. Tal ontologia compreende o ser de forma unívoca o que poderia levar a uma contradição, acontece que o ser só se diz univocamente da diferença, instaurando um plano pré-filosófico. É nesse plano que se desenrola o embate, a política e o problemático, esse plano é o plano de imanência expurgado de qualquer transcendental, plano da univocidade do ser e do retorno seletivo da diferença (intensidades).
As potências povoam o plano de imanência.
Todo modo de ser no plano unívoco de imanência corresponde a um grau relativo de potência e de velocidades e lentidões que estão para o grau absoluto de potência do plano e suas velocidades infinitas. Os modos de ser ou modos individuados povoam o plano implicados nele, no entanto, ao plano de imanência se superpõe o plano transcendente que implica a imagem dogmática do pensamento e a organização sistemática do mundo. Alucinações emanam do plano e joga o pensamento em coordenadas que o ultrapassa. Os modos então flutuam esquizofrenicamente no embate seletivo do retorno, na querela infinda das superposições dos planos.

marți, 16 septembrie 2008

Excessos e Exceções - o clip

O livro vem a tona no dia 5 de outubro nas serras gauchas. Estava na hora de fazer um videpclip sobre ele. Fizemos duas tomadas no domingo passado do que chamei "Matéria Primadonna (ou Excessos e Exceções, o clip)", a versão A e a versão B.
Agora pergunto ao público em geral qual é a melhor versão, A ou B? Vou escolher entre as duas em duas semanas de acordo com a votação nos blogs - como votas?
(A) http://br.youtube.com/watch?v=aO00hFuIkpc
(B) http://br.youtube.com/watch?v=LFTGObvkxjI
hehehe

duminică, 14 septembrie 2008

Programa

o programa da disciplina a ser distribuído no dia 17 próximo:
Seminário de Filosofia I, II
Questões metafísicas do conhecimento
Ontologia das Potências
Hilan Bensusan
Programa


Este curso pretende examinar algumas tentativas contemporâneas de construir uma ontologia de potências. O projeto emerge tanto de dificuldades de encontrar um lugar para potências e disposições em outras ontologias quanto de urgências políticas de reconsiderar as relações entre o atual e o possível e entre os poderes e os estados de coisa.

1. O problema com as potências. O papel das possibilia no mundo. Imanência, capacidades, faculdades e pensamento. O desafio humeano. Atualismo e ontologia das potências – alternativas.

2. Estratégias atualistas. Epistemologia e ontologia humeana. A natureza da independência entre potências e manifestações: a análise condicional das disposições, potências de não, faculdades e capacidades, ato e potência.

3. Algumas marcas do disposicional: a imanência, a intencionalidade física. A imanência absoluta e a concepção das potências como sem transcendência. O lócus das potências. Propriedades e categorias: dificuldades. .

4. Estratégias contra a dependência entre potências e suas manifestações. A análise condicional e as disposições irrelevantes e paralelas. As disposições finkish. Ontologia das potências independentes.

5. O lugar do atual em uma ontologia das potências. Imanência e intrinsicalidade. Categorização. Propriedades categóricas, manifestas, qualitativas. Espaço e tempo como potências: objetos abstratos.

6. Potências e necessidade. As variedades da necessidade – conexões necessárias e disposições. Analiticidade revisitada. Conexões semânticas e ontologia. Poderes e impossibilidade. Modalidades e potências. A imanência da impossibilidade.

7. Mundos possíveis e atualismo. Uma extensão de Hume? Variedades de realismo modal. Vantagens do concretismo. A extensionalidade dos mundos possíveis, sua realidade. Potências externas ao mundo atual.

8. Poderes e forças. A atividade das potências e sua interação com forças. Propriedades versus forças dispersas: a natureza da identidade em uma ontologia de potências. Reatividade.

9. Potências e leis. Leis da natureza. As leis categoriais: cláusulas ceteris paribus. Categorização e extrinsicalidade da necessidade. Quidditismo. A rejeição da transcendência das potências e a univocidade do ser.

10. Potentia e potestas. Os poderes e o poder. Propriedades? O polemos revisitado. As atribuições de poder, as forças e as identidades.

Bibliografia inicial:

William Lycan, “Possible Worlds and Possibilia”
Gilbert Ryle, The Concept of Mind
David Lewis, On the Plurality of Worlds, “Finkish dispositions”
Giorgio Agamben, “Imanência absoluta”, “A potência do pensamento”George Molnar, Powers, a Study in Metaphysics
Alexander Bird, “Potency and modality”
Giles Deleuze, Nietzsche e a filosofia, “Bartleby ou a fórmula”
Tim Williamson, “Knowledge of metaphysical modality” in: The Philosophy of Philosophy
Antonio Negri, A Anomalia Selvagem
Stephen Mumford, Laws in Nature
Kit Fine, “The problem of possibilia”, “Varieties of necessity”

Avaliação:
Um escrito orgânico que será apresentado duas vezes, uma vez ainda inconcluso e em sua versão final.

marți, 9 septembrie 2008

Fora e dentro (imanência e direcionalidade)

Hoje estive falando na aula que as marcas do intencional podem ser a imanência e a direcionalidade. Elas se completam: não se trata nem de uma direcionalidade que leva a uma transcendência (imanente a alguma coisa, dizem Deleuze e Guattari no o que é filosofia) e nem de uma imanência que se volta para si mesma e se basta. É como o contágio - e como o que se solta; a potência é coisa solta, não segue roteiro (nem é feita de conexões necessárias) mas atinge quem está por perto e por longe. Acho que este par indica alguma coisa - a univocidade do ser e, ao mesmo tempo, a interconexão entre as coisas capazes de se esbarrar. Os entes estão horizontalizados, mas não estão determinados porque encontros são possíveis.

sâmbătă, 16 august 2008

Toda onotologia é política. Mas, qual política?

Toda ontologia é política, mesmo uma ontologia das potências simplesmente. A ontologia de Aristóteles era política, também a de Platão. O ponto é: qual ontologia (qual política!) queremos? A ontologia das potências pode ser uma ontologia fascista (o que é uma ontologia política a seu modo) se a ela não brindarmos com deslocamentos (ou devires ou pistaches descascados...).

Isso eu aprendi com Heidegger: destituir as ontologias de qualquer substância ou de qualquer coisa que lembre substância, como potências. Fazer da ontologia uma ontologia "de relação", uma ontologia do "entre" (ou de trânsito entre as coisas), um ser que se projeta: não apenas ser, mas ser-com, ser-em , ser-para.... O ser só é ser nesse "com", nesse "em", nesse "para". Não é lindo? Não temos mais identidades! (Lévinas interpretou isso muito mal!).

Por isso gosto de falar de deslocamentos mais do que de potências. Mas esse não é o único caminho, certamente. Tudo depende de como pensamos as potências. Precisamos pensar as potências de forma não fascista. Precisamos deslocar as potências dos seus lugares, não deixar que sejam elas mesmas para sempre, descascar pistaches e descobrir outras, outras cores... Potências são potências em trânsito, ou aquelas que se constituem e se destituem no trânsito.

Uma ontologia não fascista!

miercuri, 13 august 2008

Excessos e excecoes como exemplo de... (ou em defesa dos pequenos deslocamentos)

Últimos da longa conversa de quatro meses com o Manuel. O tema da atualidade (um problema para quem acredita que o mundo é uma colecao de disposicoes) se imbrinca com o tema da singularidade. Estamos de volta aos prolegomenos a toda ontologia futura que venha antes ou depois de uma politica. Porque nao basta ser ontologia de potencias - nao basta fazer uma declaracao de intencoes nao-humeanas ou manter a fascinacao com mosaicos apenas de soslaio.
Uma ontologia das potencias pode ser uma ontologia de fardos (e de instancias que se indiscerniveis sao identicas). Pode ser uma ontologia fascista.
Sim, há as diretivas: como escapar disso. Mas estivemos pensando em um fator Nietzscheano em algumas ontologias que nao sao meras articulacoes de categorias - o fator que Lévinas deixa explícito. Qual é o fator que faz a diferenca? Um entrecategorial, um atencao ao sincategorema desviante, uma ontologia de mais de um plano. As ontologias (de potências) das tradicoes analiticas nao sao nietzscheanas. Nao se pode falar que o que falta é o movimento: nenhuma ontologia pode ser alérgica ao quadridimensionalismo. Talvez o devir. Talvez os pequenos deslocamentos (tipo pistaches sendo descascados): deslocamentos categoriais, pequenos nas dimesoes dos ajustes que os olhos fazem para enxergar o claro e o escuro.

duminică, 10 august 2008

Elogio do insucesso

" É preciso desesperar a esperança
como um balde no mar."

"(...) até poder elevar-me
com a força de outras asas
para os meus próprios lugares"

(Carlos Nejar, Contra a esperança e Os senhores da ocasião e da guerra)

Singular é o que fracassa...

Gostaria de escrever uma espécie de “elogio do insucesso”, um ensaio sobre a periculosidade e a superação do absoluto no pensamento (e na existência). Um ensaio (ou um livrinho, ou uma parte do nosso livrinho) sobre des-locamentos, uma já anunciada ontologia micropolítica dos transeuntes. Não estamos em uma perspectiva pessimista, mas em uma descontrução ético-política. O insucesso como forma de superação da violência e, portanto, de celebração do singular. Singular não é (apenas) aquele que constrói, mas (fundamentalmente) aquele que fracassa. Fracassa em quê? Nos absolutos tantas vezes amados como caminhos definitivos. Proponho o insucesso como forma de superação da violência ( esta sempre entendida em sentido levinasiano): caminhos sempre trilhados e desconstruídos que se desabsolutizam e abrem novas possibilidades – territorialização e des-territorialização em um diálogo polêmico. Acreditar é importante, move o mundo. Fracassar é fundamental, livra os singulares do totalitarismo das verdades. Um caminho só é real se for superado. Algo então permanece e transforma, sem violência. O fracasso é a abertura para a criatividade e o novo. No fim, resta a singularidade, no meio de tudo, sobrevivente. Somos “andarilhos intelectuais” (e existenciais!), salvamo-nos no trânsito. O que sucumbe não é a existência ou a coisa, mas o caráter absoluto da existência e da coisa que paralisa existência e coisa. Não falo da simples desconstrução decidida por motivos racionais, mas da derrocada de algo que verdadeiramente se amou. Só há fracasso onde outrora houve verdade. Só o que amamos como absoluto pode fracassar. O fracasso é aquilo que pode fazer frente à violência do absoluto. O fracasso (ou os pequenos deslocamentos) são a nossa micropolítica...

sâmbătă, 9 august 2008

Pequenos deslocamentos com casca, sem casca

Um filminho em homenagem a algumas das idéias mais crocantes da Lus:

http://br.youtube.com/watch?v=pXrPQWe3PvA

vineri, 8 august 2008

Potências, singularidades e exceções

Hoje escrevemos uma seção do artiguinho em que dizemos: uma ontologia das potências pode ser haecceitista, pode encontrar espaço para singularidades. Logo eu disse, sim, mas é um haecceitismo feio e as singularidades não ficam necessárias, são no máximo contingentes: um item é singular porque no mundo não há nada com as mesmas potências pois o mundo todo determina as potências do item. Claro, um haecceitismo leibniziano - e fincado em uma teoria do fardo.
Bernard Williams cativou nossos coraçoes dizendo (em Ethics and the Limits of Philosophy) que se uma pessoa delibera com base em virtudes (eu quero ser corajosa e portanto vou fazer isso e aquilo...) sua ação fica excessivamente de terceira pessoa. Árduo, seria preciso que a coragem estivesse atrás da cena da deliberação. Pensei: assim também com as singularidades em fuga entendidas em termos de potências - elas ficam com seu veneno (a flecha para onde a linha de fuga aponta) tornado em análise química. Não queremos dizer que uma análise das singularidades em termos de potências é excessivamente de terceira pessoa - afinal não se trata de sujeitos, a filosofia já ficou tempo demais analisando singularidade em termos de sujeitos, peculiaridade em termos de autonomia. Mas há alguma coisa aí: uma flecha não pode ser analisada só em termos de sua direção, por melhor que seja a análise. Tem que haver alguma coisa que escapa na flecha. No grande esquema das coisas uma desterritorialização precede uma reterritorialização - mas olhemos o movimento.
Uma outra alternativa é dizer que não há categoria ontológica para a singularidade. Ela é o que escapa - está no mundo, mas escapa. Esta é a alternativa de Lévinas.
E podemos fazer como em E&E: dizer que a noção mesmo de ontologia tem que acomodar o que escapa, tem que ser não-fascista, tem que ser tal que não haja apenas as categorias ontológicas ainda que elas seja potências e tratem de possibilia. Singular é o que fica solto.

marți, 5 august 2008

mania de explicação (de uma menina que, de tão curiosa, se meteu com a filosofia)

Essa foi só uma tentativa de livrar as potências de uma metafísica da identidade (ou de uma ontologia fascista). Potência não é uma identidade, um princípio totalitário, mas uma promessa que, não obstante, não é. Sozinha, claro que não é suficiente. Falta-lhe a política! Eu não abro mão dos des-locamentos. O "entre", para mim, não é a potência, mas o des-locamento, aquilo que, certa feita, eu disse que não é nem potência nem ato, mas o que destitui a potência da sua promessa e o ato da sua certeza - des-locamento como princípio da des-ordem. Nesse sentido, des-locamento é des-territorialização...
É sempre esse entre que sem dúvida dialoga, constitui e destitui territórios, que me fascina...

(linda a sua postagem sobre essa coisa de linhas de fuga e potência... gosto do diálogo - embate, polêmica - entre os seres)

luni, 4 august 2008

Tinha uma potência no meio do caminho

É no meio do caminho que tinha uma potência - diz uma Lus. O caminho entre o que é e o que não é. Como pensar que isso vai ser suficiente para escapar de uma metafísica da identidade? Podemos dizer que (na veia que dirige a suspeita a uma ontologia das resistências que pode acabar sendo uma teoria do fardo) apenas mudamos a tonalidade dos entes; podemos entender modalidade em termos de tonalidade e apenas deslocamos a melodia do atual para o possível. Apenas isso basta? Acho que não. Seria preciso um pouco mais - pelo menos uma atitude a mais.
Gosto de falar do meio do caminho porque não acho que podemos ir muito longe se descartarmos aquilo que promove os esbarrões. Gosto deles.

Linhas de fuga: o caráter holista das potências

Ainda no meio da Seoul enorme porém já depois de falar sobre ontologia do descabido para uma audiência quase toda russa - frustrante, esquisito mas exótico e extemporâneo - vou tentar voltar ao tema da última postagem: resistências vs exceções. Uma ontologia da anomalia postula que as singularidades são exceções e todas exceção é uma exceção a alguma coisa. Uma linha de fuga. Ou seja, as anomalias são a base do caráter não-fascista da ontologia: elas são um repositório de poderes que podem ser entendidos como resistências e capacidades. As singularidades resistem e, assim, a anomalia (o descabido) desterritorializa - é o agente desterritorializador. Não existe singularidade que não é exceção - todas estão in media res - mas é isso que lhes dá condição de desviar de alguma coisa. Ela é o desvio. Pensada assim, a singularidade não é nem apenas um fardo de propriedades - porque ela é uma exceção, uma anomalida e não tem cabimento - e nem apela para um substrato indescritível porque ela é uma linha de fuga, uma direção de desterritorialização.
Agora, quando imprimimos uma ontologia das potências sobre uma ontologia do descabido começamos pensando que a singularidade em fuga (o desvio) é potência. Trata-se de uma resistência e toda resistência é uma resistência a alguma coisa. Mas a ontologia das potências nos tira de uma perspectiva preciosa que alcançamos através da ontologia do descabido: ela nos recoloca às voltas com alguma coisa parecida com o que McDowell uma vez chamou de "a sideways-on view", ou seja, uma visão desde fora em que as singularidades em fuga podem ser entendidas em termos de suas potências de resistência (seus potenciais de resistência, talvez). Ou seja, de um ponto de vista da ontologia das potências, a anomalia pode ser vista em termos de que coisas ela PODE resistir - que coisas ela PODE desterritorializar. A introdução da modalidade (das disposições) pode ser claustrofóbica: imaginamos que vamos terminar com uma longa lista de potências (ou resistências) associadas à singularidade desviante - como uma análise condicional da singularidade com um número grande de cláusulas (tipo: se diante de um regime como o da coréia do sul, S resiste; se diante de um regime como o da coréia do norte, S resiste; se diante de um regime heterosexualista , S resiste etc.). Já vemos o problema: não escapamos mais do dilema fardo vs substrata: discriminamos a singularidade em termos de potências (resistências) e ela deixa de ser apenas uma linha de fuga para ser capturada em termos de suas potências - fica dominada (ainda que apenas modalmente dominada). O fardo é completo (supostamente) e apenas por outras razões metafísicas postularíamos um substrato (tipo uma haecceitas da singularidade). Fica parecendo assim: danou-se.
Depois de jarras de cerveja, bibimpags, vermicellis, e chás gelados pelas noites coreanas, eu e o Manuel nos encontramos muitas vezes diante dessa questão: qual é o preço de sobrepor a uma ontologia sem cabimento (onde a potência fica insinuada nas singularidades em fuga) uma ontologia de resistências e capacidades? Será que o preço dessa integração é que ficam as singularidades dominadas? Começamos a repensar os atrativos de uma ontologia de potências pensando talvez que a lua de mel com os poderes acabou (outras luas, de nabo, de arroz, de wasabi, de gimchi, de acelga virão ainda talvez).
Bem, as tais potências são holistas (cheias de intencionalidade física, com singularidades com bracinhos para fora etc). Ou seja, elas dependem de todas as potências que aparecem no mundo. Dizemos assim: qualquer coisa pode ser uma linha de fuga se colocada em um cenário apropriado. Ou seja, não podemos oferecer a tal listona parte de uma análise condicional da singularidade porque cada singularidade tem potências que dependem das demais (e do que acontece no plano de organização). Não se trata de dizer que o fardo de potências de uma singularidade é infinito porque isso logo invoca uma imagem assustadora de alguém que pode contemplar infinitas potências. Mas, para invocar uma distinção clássica, que o fardo de potências é indefinido. Que ele depende de todo o resto do mundo (mônadas, mônadas, mônadas). Depende do que faz corpo com o que. Trata-se, de novo, de um jogo de imãs. Não é que todas as resistências de uma singularidade estão nela, resistências são intencionais. Extrínsecas. O pensamento tenta encontrar ruas e avenidas (não saídas) em meio a estas potências indeterminadas. Desvios requerem o resto do mundo - tudo pode desviar mas nada desvia (ou resiste) sozinho.
Fica parecendo que o que é indeterminado é menos claustrofóbico. Mas será que a manobra de insistir na indeterminação é suficiente para tornar digerível a mistura de ontologia do descabido com ontologia das potências?

duminică, 3 august 2008

Pontências não são...

Um esboço de solução que acabei dizendo em outro momento sem querer: potência é promessa "de" (metafísica da identidade), mas, não obstante, ainda não é (ruptura com a metafísica da identidade). A potência "é" e "não é" ao mesmo tempo. "É" enquanto promessa, possibilidade aberta, mas "não é" enquanto ato, identidade consumada. Ou seja, pode sempre não ser, ou ser outra coisa. Na verdade, potência nem "é" nem "não é", mas é algo indefinido. Isso não nos livra de uma ontologia fascista?

Resistências e singularidades em fuga

Então vamos falar de uma ontologia das resistências. Pensamos a singularidades no estilo Excessos e Exceções. Bem, mas uma singularidade em fuga agora é pensada como uma coleção de resistências. Só isso? Ou a singularidade também tem um substrato - um substrato de resistência?
O velho dilema fardo-substrato voltou.
Vamos começar de novo: pensamos as singularidades em termos de desterritorializadores - portanto em relação a um território. Mas elas são só um fardo de desterritorializações?
Parece que introduzir uma ontologia de potências nos leva de novo a beira de uma ontologia fascista. A Lus diz: não cairemos em uma metafísica da identidade?
Bem, como sair disso: potências são indefinidas.
Ou seja, muito problema e um esboço de solução. Mais sobre isso em breve.

vineri, 25 iulie 2008

Somos todas Pippa Bacca: potência é risco


A vulnerabilidade é estado de abertura. Haver disposição. Deixar que fiquem as potências disponíveis.
Um pouco do meu devir Pippa Bacca em Istambul, 15 de julho. No papel: somos todas Pippa Bacca.

luni, 21 iulie 2008

Por um Nietzsche não humeano

Gostaria de poder defender algo assim: não importa a coisa, mas o fluxo. Não queremos verdades para capturar e controlar (“tirem-me daqui a metafísica!”). Não importa se há mentiras sobrepostas sobre o mundo, importa que dancem, que façam fluxo (política!). Nietzsche talvez não seja humeano. Talvez não negue a verdade, mas a compreenda de outro modo. Verdade é outra coisa, diferente de um fato constatável, diferente de certeza epistemológica (ou mesmo existencial). Verdade é interpretação. Subjetivismo? Não, interpretação! Leitura possível "da coisa", perspectiva, individuação de um caminho na multiplicidade de possibilidades (mas ninguém inventa a coisa ou a multiplicidade!). As coisas estão aí, mas não como verdades engessadas.
Heidegger tem uma compreensão bonita da verdade que ele tira dos gregos: alétheia, onde o “a” privativo traz o sentido de não-esquecimento, não-velamento. Todavia, abarca o próprio velamento como um momento seu, um momento que acontece junto. Então, temos o seguinte: um jogo inconcluso de luz e sombra, algo que tocamos e perdemos, velamento e desvelamento contínuos. Ganhamos e perdemos o ser incessantemente!
Uma verdade assim compreendida não importa apreender ou controlar. Não importa a coisa, mas o jogo. E se esse jogo for transformador para o nosso tempo, essa é a nossa política. Porque verdade é possibilidade e não fato. Verdade é jogo. Não falamos de subjetivismo nem de arbitrariedade. Inspirados por Aristóteles, diríamos que é algo mais ou menos assim: “o ser se diz de muitos modos”. Então, julguemos as narrativas pelos efeitos de solidariedade! (e por que não?)

Como escapar do fantasma metafísico que nos diz que podemos encontrar o fundamento último (ou primeiro), conhecer (capturar) e manipular o real? Como bem nos ensinou Lévinas, aqui está a origem de muita violência...

duminică, 20 iulie 2008

Nietzsche Humeano?

Categorias são mentiras, quando são poemas são francas. Rorty diz que as narrativas devem ser julgadas pelos efeitos de solidariedade. Nietzsche pensa que a verdade não é captura, é sinceridade no processo de deixar o que não pode ser Begriff escapar. O múltiplo não pode senão ser falsificado pela linguagem - desconfie dela enquanto a usa (enquanto a usa!). Ele gostava de aspas. Rorty gostava de aspas.
Como escapar do fantasma ontológico de Hume (e de Kant) que nos diz que há mentira sobrepostas sobre o mundo?

sâmbătă, 19 iulie 2008

Elogio da Vertigem (acho que IV, já perdi a conta...)

"Então o que sou é o que digo?
Não há nada por trás desta voz?
Então não há ninguém comigo
quando eu e ela estamos sós?

Dá uma vertigem, uma pontada
um pouquinho abaixo do umbigo,
por dez segundos, e mais nada."

(Paulo Henriques Britto, Cinco Sonetos Trágicos, II)

Sobre deslocamentos, atos e potências (sobre diferenças)

Potências são possibilidades de. Atos são o “de” consumado, afirmação, categoria, consumação da potência. Uma saída política: potência pura, potência sem ato, potência que não se decide. Eu costumo pegar outro atalho.

Quando falo de deslocamentos não falo de ato. Falo do “entre” ato e potência. Também não falo da “passagem” da potência ao ato, mas de algo que destitui potência e ato, portanto, não de uma passagem, mas de algo que “está de passagem”. Potência também é metafísica da identidade, algo que pode ser “assim” (e, não obstante, não é, e é isso, ao mesmo tempo, que pode romper com a metafísica da identidade). O deslocamento como o “entre”, o “trânsito” (não de um para outro, mas como algo que está de passagem) não fixa nenhuma identidade. É aquilo que salva a potência da sua identidade de potência e o ato da sua identidade de ato, pois, quando pensamos em deslocamentos, nem ato nem potência são mais. Não negamos os pingos nos is. As macropolíticas estão por todos os lados. Mas as micropolíticas (os pequenos deslocamentos) é que são transformadoras. Portanto, potência e ato precisam fracassar. Os deslocamentos destituem as potências das suas promessas (as transformam em outra coisa) e os atos das suas certezas (as transformam em outra coisa). (nunca importa qual coisa, mas a transformação). Os deslocamentos transformam tudo.

Claro, a potência (dýnamis) está cheia de movimento. Ou melhor, está cheia de promessa de movimento ou “prenhe de possibilia”. A potência está prenhe de promessa. Os deslocamentos (moribundos que são, pois não têm em si nem uma potênciazinha para nos consolar), não prometem nada (seriam os deslocamentos mendigos ontológicos?). Ao contrário do que se poderia supor, os deslocamentos não realizam nada. Os deslocamentos são a ruptura com qualquer ordem dada (estão à margem, esses sem-casa!).

O único ponto que importa é este: o des-locamento é o princípio da des-ordem. Nem ato , nem promessa do ato, mas aquilo que disturba. Promessa e ato estão aí, mas isso não é o que importa (às macropolíticas opomos a micropolítica dos pequenos deslocamentos). Não negamos as categorias, os preconceitos, mas o fluxo é que é político. Então, viva Heráclito! (até que alguma lus hilantrófica caia sobre as nossas cabeças e – talvez não sem razão – venha inaugurar novamente as potências como um antídoto ao hum(e)anismo).

PS: sua última postagem esclareceu muita coisa. como você fez isso, de escrever sem pingos? Caraca, deslocamento puro...

joi, 17 iulie 2008

Dıfference et Dıfferance (avec une petıte dısaparıtıon)

Mıchel Haar tambem ınterpreta (e daquı de Troıa, onde estou fılmando um solo da Cassandra F. Borges sem cavalo, fıca facıl nem colocar os pıngos nos is) a vontade de potêncıa em termos de ato que nem chega. A vıda fıca pelo movımento de se aprontar. Potencıa sem ato, o ato nem ımporta mas ımporta a pulsao que nao vıra categorıa. O fluxo sıgnıfıca que nada termına e que somos ınacabados em um mundo em preparacao. Exıste, claro, um parentesco entre dısposıcoes, fluxos e imanêncıa (uma palavra na qual da gosto nem colocar todos os pıngos nos is - afınal trata-se de uma palavra bombastıca e errorısta).
E meu problema com o hum(e)anısmo quanto as categorıas pode ser servıdo assım: qual o papel dos dısposıtıvos que colocam os pıngos nos is em meıo a estas potêncıas, a estas ımanêncıas). Eu amo a ıdeıa matreıra de D&G (Dolce & Gabbana) de uma ıntersecşao de planos. O hum(e)anısmo aparece assım: e qual o estatuto do plano de transcendencıa dıante do plano de composıcao. Aquı e onde mınha ımagınacao ontologıca me abandona e eu fıco dando voltınhas em torno do Davıd e do Immanuel ao ınves de enfıar todo o cerebelo na ıdeıa de que o que ınteressa e o meıo. Trata-se de uma obsessao. As vezes penso assım, com meu conceıtınho novo de estımacao: os dısposıtıvos de ceterıs parıbus sao parte do mundo, tanto quanto o fluxo. Preconceıtos fazem fluxo, eu penso quando me aparece uma lus ou duas na cabeşa. Mas quando o holofote se apaga eu penso se Heraclıto afınal acertou.
Por outro lado, quem ama potêncıa nao ama ataraxıa.

luni, 14 iulie 2008

Torre de Babel

Entendi pouco, muito pouco. Acho que penso mais em termos de agenciamentos, deslocamentos, possibilidades, desconstrução de metafísicas de identidade... Algumas coisas me são estranhas, como a idéia de categoria que, pela minha influência heideggeriana, prefiro abandonar (mas, muito provavelmente, não estamos nem falando da mesma coisa...). Outra coisa estranha: potência sem ato. Aliás, que de algum modo, Agamben defende e que eu não entendo de jeito nenhum. E outra ainda: “potências”. Eu comecei a aceitá-las muito devagar, a partir das nossas discussões, mas não sei se na verdade não as transformo no que quero ou se não preferia pensar sem elas... Tem algo que acontece comigo que é o que precisa acontecer (para mim) e que não tem medo de Hume, talvez porque (quem sabe ingenuamente) não se identifique com ele. É sempre outra coisa. Mas gosto muito disso: “A política está aqui, focar em um pequeno deslocamento diante do fluxo. Qual categoria? Toda palavra é um preconceito contra o fluxo. Mas preconceitos fazem fluxo.” É isso! Gosto muito, muito, muito disso.

OS: desculpe essa postagem quase desesperada... (acho que é só uma crise passageira)

Categorias é que são disposições

Há uma longa tradição de buscar uma analise condicional das disposições em termos de condicionais; herdeira da fórmula de Carnap no Aufbau: x é solúvel sse colocado em água dissolve. Carnap entendia o sse de uma maneira clássica e vivia numa era pre-kripkeana (antes que a filosofia analítica encontrasse uma reconciliação com a modalidade). Carnap logo desistiu. Depois que os contrafactuais entraram em cena, a idéia era encontrar uma maneira que funcionasse para definir disposições em termos de categorias de uma maneira condicional. Muita gente desesperou desse projeto: o que acontece quando uma potência está lá sem ato? A análise condicional faz parecer que potências não podem ser atuais.
Mas, e um reverso da análise condicional? Entender categorias em termos de disposições, ou para mostrar que elas são projeções ou que elas são o mesmo que disposições.
Um projeto. Se o reverso da análise condicional é possível, então podemos tornar possível uma espécie de humeanismo ao contrário - ou um kantianismo as avessas que as vezes me atrai. O mundo é potência - mas há coisas nele que arregimentam categorias.
A política está aqui, focar em um pequeno deslocamento diante do fluxo. Qual categoria? Toda palavra é um preconceito contra o fluxo. Mas preconceitos fazem fluxo.

vineri, 11 iulie 2008

sem título (mas com bracinhos)

“A potência é puro polemos”, mas também é polemos o que se dá “entre” potências. Os agenciamentos são polêmicos. As potências, como puro polemos, poderiam não ser lidas como indeterminações, mas como “pequenos deslocamentos” (eita, olha ele aí de novo! – e quem disse que deslocamentos são indeterminações? deslocamentos podem ser agenciamentos, organizações disposicionais...) que lançam seus bracinhos abanantes no mundo (os bracinhos são deslocamentos) que, por sua vez, com suas mãozinhas também abanantes, polemizam (também consigo) e “entre” si: Política! Potências podem ser vistas como “possibilia” com bracinhos para fora, mas também podem ser vistas assim: potências “são” bracinhos para fora. Não há potência que não diga olá ao mundo, ou melhor, ser potência é dizer olá. (Agamben diz: ser dentro um fora). O nosso habitar é polêmico. O nosso habitar é político. E o que são potências senão mãozinhas abanantes no meio de tudo (confundindo e organizando tudo, e sempre novamente)?

O bonito do polemos é que ele é aquilo que não nos deixa em paz. O polemos não nos deixa ser quem somos, senão provisoriamente e sob conflito. De forma polêmica, somos sempre outro e outro e outro, enquanto somos nós mesmos... (poderíamos também dizer: somos sempre com outro e com outro e com outro...). As relações são outras e novamente outras a partir da inquietude polêmica dos agenciamentos que não se permitem determinar senão provisoriamente.

[não entendi essa coisa de determinação como palavra-chave....???]

(a pergunta, em mim, acontece mais ou menos assim:) Qual é a política e a ontologia de um deslocamento?

Ah sim, claro, toda ontologia é política!

miercuri, 9 iulie 2008

A estrutura e a potência de um Polemos

Prolegômenos. Se a política vier antes, o mundo é feito de indeterminações. Ele está em conflito, não porque já há dois (ou três) lados, porque não há nada estabelecido, não há determinações. Fora isso, há capacidades, faculdades. Há determinações in potentia. Então desembarcamos no meio das coisas: onde há política, porque há política, há ontologia. E é porque a ontologia trata de potências.
Mas pode a potência ser puro polemos?
Pode a potência - as possibilidades de que as coisas estão prenhes - conter ela mesma apenas indeterminações? Tenho escrito que potências são singulares e holistas. O que significa isso? Bem, são holistas porque tem uma intencionalidade física à la Molnar. Molnar a descreve com as características da intencionalidade de Brentano: é direcionada a alguma outra coisa, esta outra coisa pode nem existir, esta outra coisa não é singular mas exemplar e importa o modo de apresentação desta tal outra coisa (Sinne de Frege, opacidade mas coisas muito distintas como uma abelha que não gosta de pólem em pílulas também). Então as potências tem bracinhos para fora - como as velhas esculturas da Louise Bourgeouis (uma delas chamava Sem Título Com Mão e era uma bola de pedra com uma mão saindo dela - assim são as potências).
Mas, como mônadas, também singulares. Como assim? Não é que elas são tropos. É que elas servem para isolar um ítem do mundo no plano das possibilia. Que plano é esse? É o plano das haecceidades. Eu inventei um conceito que eu chamei assim: Dispositivo de Ceteris Paribus. É o DCP, minha abreviação para ficar mais íntimo, que promove o trânsito do plano das possibilia (das potências e das haecceidades) para o plano da organização (onde há, por exemplo, as conexões nômicas). Mas as conexões nômicas são necessidades que precisamos - precisamos do plano de transcedência. Por que? Porque precisamos fixar necessidades para falarmos de potências específicas (uma lição quineana).
Mas isso é suficiente para caracterizar o Polemos? Bem, aqui talvez possamos falar de ontologia polemaica: potências não formam mosaicos (formam esculturas de imãs etc). Alguém pode dizer: não, aí não. Mas sempre apelamos para considerações formais ao mesmo tempo que não queremos nenhuma restrição material. É preciso repensar estas restrições. Como assim? Ando convencido de que a palavra chave é determinação. Qual é a política e a ontologia de uma determinação?

marți, 1 iulie 2008

Projeto paralelo


este é um projeto paralelo que as vezes esbarra com a ontologia das potências. e quando esbarra as vezes cospe na cara, as vezes é xodó:


Propositions as small announcements

Or, the metaphysics of indefinite descriptions

Car si le plan de consistence n’a pour contenu que dês heccéités, il a aussi toute une sémiotique particulère qui lui sert d’expression. [...] Cette sémiotique est surtout composée de noms propres, de verbes à l’infinitif et d’articles ou de pronons indéfinis. [...] Em troisième lieu, l’article et le pronon indéfinis ne sont pas des indetermines [...] ils ne manquent de rien lorsquíls introducent des heccéités, des evenement don’t l’individuation ne passe pas par une forme et ne se fait pas par un sujet. Alors l’indefini se conjugue avec le maximum de determination: il était une fois, on bat un enfant, un cheval tombe… […] C’est pourquoi nous nous étonnons devant les efforts de la psychanalyse qui veut a tout prix que, dernière les indéfinis, il y a un défini cache, un possessif, un personnel: quand l’enfant dit <>, <>, <>, <> […] <>. Petites announces, machines telegraphiques sur le plan de consistence.

Deleuze & Guattari, 1980, p. 322-4

How can an indefinite description – rather than a definite one or, rather, a Russellian proper name[1] - be the best expression in language and thought of a singularity? Other expressions are considered to have the capacity to depict individual objects and bring them to the fore. Russellian proper names, for example, are expressions that allow de re thought about particular objects – where roughly defined borders are available, even when unbeknown to the thinker. The singularity depicted by a name (or definite description in referential use[2], or another expression rigidified[3]) is in some sense inanimate even though it could be animated by properties and relations. What the expression of singularity depicts is often a substratum that is fixed, inanimate and indifferent to its properties.

When singularities are not objects but rather powers or events, another kind of expression could be on demand. Singularities become what happen to things, instead of being bearers of properties and relations (and events) – singular is what happens, not what grounds many happenings. properties and powers are pin to. When we move from an ontology of singular objects to an ontology of singular transitions, we need a suitable change in our expression of singularities – they ought to express that feature of singular free-floating elements.

When discussing the transferability of power tropes, Molnar (2003: 43-44) considers a view he calls non-ownership trope-theory according to which tropes have no bearers – it an ontology of properties with nothing but bundles of properties (and relations). Tropes would be floating in bundles with no substratum to rely on – no grounding object to be underneath whatever happens. Molnar sets this view aside by considering it a version of Platonism: “It allows the existence of properties without bearers just as Platonism allows universals not instantiated in any object.” Such a trope theory is not relevantly akin to Platonism as it postulates no universals and could not conceive of objects bearing them. Non-ownership trope theory is an ontology where singular items are floating powers: a metaphysics of indeterminacy. Indefinite propositions are therefore the basis for a metaphysics of the indefinite, borderless, vague and yet singular.



[1] Cf. Evans (1982: xx)

[2] Cf. Donellan (1966)

[3] Cf. Kaplan (xxxx)

sâmbătă, 28 iunie 2008

Ontologia das potências

É necessário pensar a ontologia não subordinada a política, mas como sua conseqüência mais imediata. Seria uma forma de constituir um procedimento filosófico em um duplo aspecto: primeiro o deslocamento do primado que cairia antes sob a política que sob o Ser, sendo este sempre um produto de uma tensão de forças agindo e produzindo o conflito antes mesmo da produção de existente, porém seria preciso mostrar que essa antecedência se dá e não se dá antes do já haver algo. O conflito como princípio positivo de produção naquilo que é. Princípio intrínseco ao surgimento de cada novo, e nesse sentido princípio sempre imanente. O conflito deve estar compreendido na produção, circunscrito nela como sua anterioridade sem, no entanto, transcendê-la. Segundo, a política tal como se entende em geral deveria ser repensada para além das atribuições vulgarizadoras em que o já estabelecido a desvia para com isso estabilizá-la, por assim dizer, reduzindo com isso o conflituoso aos dogmas impostos.
Há sempre um conflito político anterior a produção de ontologia. Entretanto é preciso acompanhar esse pensamento em seu duplo aspecto, pois se cosmicamente o existente surge de uma tensão política originária, seria preciso também desenvestir as práticas políticas atuais do que há nelas de moralismo dogmático que se faz barreira contra a emergência do problemático, reduzindo o devir ao já esperado, à obviedade.
Seguindo a pesquisa da obra de Spinoza e de Nietzsche realizada por Deleuze na constituição de uma ontologia da univocidade do ser buscamos os fundamentos sempre móveis que em seus deslocamentos constantes expressa o turvo embate das forças no problemático. A ontologia spinozista em seu interesse primeiramente político constrói um puro plano de imanência, pois está livre de toda transcendência, posiciona os modos de ser a partir de um horizonte absolutamente infinito. Com sua teoria das formas de singularização temos um plano de imanência povoado por multiplicidades ativas definidas apenas por suas Velocidades e por seu grau de Potência de agir.
A Ética de Spinoza é uma ontologia das potências, entretanto permanece limitada na medida em que ela não opera a reversão pela qual o ser se possa dizer aponas do devir, o uno do múltiplo, etc. Ao perceber essa deficiência Deleuze, a partir de sua leitura de Nietzsche, injeta o movimento do eterno vir-à-ser da Diferença fazendo com que os modos spinozistas passassem a girar em frenéticos picos de desmesura. É que para Deleuze o Eterno Retorno de Nietzsche é a doutrina onde a Vontade de Potência pode ir até o máximo daquilo que pode, atingindo sua hybris, seu excesso, elevando-se a sua enésima potência. Esse é o projeto de uma ontologia constituída na micro-política das potências. Uma univocidade do ser onde aquilo que se diz univocamente o faz de sua máxima potência. Um plano de imanência em movimento absoluto, povoado por devires e picos de potência. Aparelho teórico que já é uma prática política, pensamento seletivo que nos implica no problemático, uma arma nômade contra os poderes estabelecidos e os dogmas morais que submetem a vida ao seu movimento niilista de auto-supreção e rigoroso louvor a morte, a impotênica e a subserviência.

miercuri, 18 iunie 2008

Descomplicando (ou complicando mais?)

Vou tentar explicar melhor, não é fácil. Comigo também é assim: às vezes eu entendo, às vezes desentendo. Mas vamos lá. Para compreender a relação entre o banido e a ontologia aristotélica precisamos compreender dois pontos: o paradigma político ocidental segundo Agamben e a relação entre ato e potência em Aristóteles. Comecemos pelo paradigma político. O que Agamben sustenta em “Homo Sacer” é que esse paradigma é o da inclusão pela exclusão. Ou seja, para que a política se institua, ela precisa do excluído ao qual tentará incluir (seja como for, também com a sua eliminação), o que autoriza o estado de exceção. Eu entendi melhor essa relação exclusão-inclusão lendo “a linguagem e a morte”. Neste livro, Agamben não fala de política, mas de metafísica e trabalha com Hegel e Heidegger. Em algumas passagens mostra como a negatividade, entendida no sentido daquilo que escapa ao fato positivo, é o fundamento da metafísica desde Platão e passando inclusive por Heidegger. Em Platão, temos a idéia de bem que é um “além do ser”. Em Heidegger temos o ser que não é o ente e é indizível e inapreensível. O problema é que é justamente essa dimensão do negativo que gera a necessidade da metafísica, ou seja, a necessidade de apreensão de algo que nos escapa. Porque me escapa, porque está excluído, busco incessantemente apreender, preciso incluir. Daí a tentativa de Agamben, em “La communità che viene” de resolver o problema com o “ser qualquer”, o “singular qualquer”, que, embora não seja uma identidade fixa, pode ser “dito” (não há nada para nos escapar).
Bom, essa relação entre exclusão e inclusão será transferida para o paradigma político em “Homo Sacer”. O poder soberano é aquele que institui o estado de exceção, justamente para aplicar a norma àquele que escapa da norma: o banido ou o excluído. Assim, a lei se desaplica (é mudada, transformada, legalmente burlada) para ser aplicada (em uma nova ordem excepcional), por causa de uma exceção que não se enquadra na norma, mas que precisa ser enquadrada de algum modo. Esse é o nosso paradigma político ocidental: a inclusão pela exclusão (ou, se quiser, o excluir para incluir). Esse é o terrível caso de Auchwitz.
E o que isso tem a ver com a ontologia aristotélica? Segundo Agamben, esse paradigma político nasceu justamente dessa ontologia. A questão é a relação entre ato (enérgeia) e potência (dýnamis). Em Aristóteles, a potência não é só potência de ser ou fazer, mas também de não ser ou não fazer. A potência pode não ser (adynamía). Citando Aristóteles, Agamben diz que “o que é potente pode tanto ser como não ser”. A potência pode não passar ao ato, então, “pode o ato podendo não realizá-lo”. Mas como a potência passa ao ato? A potência passa ao ato somente quando “depõe” a potência de não ser. Isso não é destruição ou abolição da potência, mas a sua realização, pois, nas palavras de Agamben, a potência doa de si mesma enquanto se conserva. Para Agamben ,aí está o paradigma da soberania, pois, “dado que, à estrutura da potência, que se mantém em relação com o ato precisamente através do seu poder não ser, corresponde aquela do ‘bando’soberano, que aplica-se à exceção desaplicando-se.” Na relação entre ato e potência temos a autofundação soberana do ser, em que não há nenhuma outra ordem senão ele mesmo. Assim como a norma se desaplica para aplicar-se à exceção, assim acontece com a potência que se aplica ao ato desaplicando-se. Temos aí as raízes do nosso paradigma político.
O que me parece fundamental notar é essa relação entre duas instâncias em um processo de exclusão-inclusão. Mas o foco não está nas duas instâncias, senão na relação entre elas que é a manobra política de incluir pela exclusão – o estado de exceção em que se desaplica a norma para aplicá-la, assim como a potência se desaplica para aplicar-se ao ato (antes eu havia visto outro ponto que parece não ser bem o que Agamben defende: o potência como essa dimensão de negatividade que precisa ser transformada em ato, ou seja, a própria potência como o banido que precisar ser incluído. Mas vamos esquecer isto para não aumentar a confusão).
Então, Agamben vai expor autores que já perceberam um princípio de potência na definição da soberania enquanto defende a necessidade de se pensar uma ontologia da potência que escape ou fique fora da relação com o ato (tudo isso para sair do paradigma do poder soberano). Nesse contexto, Bartleby é uma figura de resistência à medida que “prefere não” escrever e não obstante escreve, e assim se exime de decidir entre o ato e a potência. Porém, segundo Agamben, apesar de levar ao limite a aporia da soberania, não consegue se libertar totalmente.
No meu entendimento, é mais ou menos assim. Mas não tenho muita certeza... Você entendeu alguma coisa diferente de como eu entendi? Também preciso da sua ajuda para esclarecer isso tudo... (E depois, precisamos pensar o que achamos disso. Às vezes Agamben não me convence...)