marți, 1 aprilie 2008

Por uma ontologia micropolítica dos transeuntes

“(...) arrisco crer ter atingido um horizonte longamente almejado: a abolição (não da realidade, evidentemente) da referência, através da rarefação.”
(Paulo Leminski)

Toda ontologia é política, queiramos ou não. A ontologia conduz ou orienta a nossa compreensão e a nossa lida com as coisas e, enquanto tal, é invariavelmente política. Porém, as ontologias são muitas. De ontologias mais metafísicas, nascem pensamentos éticos e políticos também mais metafísicos. Portanto, a questão não é se há ligação entre ontologia e política, mas qual política (ou ontologia) queremos fazer. Uma perspectiva: é possível pensar uma ontologia menos metafísica e, portanto, uma ontologia da não violência? O que seria uma ontologia que escapasse ao totalitarismo do pensamento tal como o entende, por exemplo, Heidegger, Lévinas ou Vattimo? Seria possível uma ontologia sem estruturas metafísicas que comumente fundamentam o conhecimento e legitimam a manipulação e o controle do real?
O nosso desafio é pensar uma ontologia política que escape do discurso sobre o fundamento, o discurso sobre o “princípio geral” ou sobre a “síntese universal” que termina por anular o singular na sua alteridade. Essa é a questão que desejamos explorar até as suas últimas conseqüências, mas por um caminho particular: não precisamos continuar sobre a velha e sempre atual discussão acerca da superação da metafísica iniciada por Nietzsche e desenvolvida por Heidegger e Derrida, mas pretendemos partir desse ambiente discursivo já acontecido e, com essa herança, pensar a própria questão a partir de outro horizonte – não mais a metafísica, mas o nosso ser e estar político no mundo. A superação da metafísica permanece não como figura central da nossa reflexão, mas como fundo ou solo que sustenta e alimenta o nosso filosofar.
Imersos nesse ambiente reflexivo, enfrentamos a questão: “o polemos pode ser uma categoria política que mostra ontologias?” Surge uma primeira inquietação: não deveríamos, antes de tudo, evitar pensar em termos de “categoria” política? Uma categoria é uma concepção genérica que categoriza uma experiência que queremos preservar como singular e, portanto, não passível de categorização. Fazer do polemos uma “categoria” pode significar a aniquilação do seu sentido, ou seja, a eliminação do inquieto embate que constitui a sua força, pela imposição identitária que uma formulação filosófica como “categoria” exige. O que aconteceria se, ao invés de “categoria” política, pensássemos em “pathos” político?
O phatos não é uma “categoria”, mas uma tonalidade como, por exemplo, o espanto, o phatos filosófico dos primeiros pensadores gregos. Podemos ainda ir além: e se ao invés de questionarmos se o polemos poderia ser uma “categoria” política que “mostra” ontologias, perguntássemos se o polemos poderia ser o pathos político que diz respeito ao próprio acontecimento das ontologias? Poderíamos, portanto, pensar assim: polemos = ontologias. O polemos pode ser entendido não mais como uma “categoria que mostra” mas como um phatos que é.
O nosso esforço tem o intuito de evitar o discurso sobre o fundamento que conduz, entre outras coisas, às políticas de identidade e que, por sua vez, remetem ao problema da violência, como já mencionamos (o polemos, pensado como “categoria” política, não poderia assumir esse caráter?). Evitar o discurso sobre o fundamento não significa, em absoluto, negar o fundamento (pois talvez o nosso pensamento o exija), mas significa não fazer uso dele ou, pelo menos, não deixá-lo ocupar o centro da nossa reflexão – passamos pela borda da questão, seguimos distraídos.
Um caminho nos é apontado por Agamben que, em “La comunità che viene”, sustenta que basta um pequeno deslocamento para que venha o “novo reino”. Assim, ao invés de fundamentos ocupando o centro do pensamento, podemos pensar em pequenos deslocamentos. Falamos, então, de pequenos deslocamentos de um modo de ser “em trânsito” que tem como phatos a polis ou o ambiente político no seu polemos. Dessa forma, a polis deixa de ser uma soma de indivíduos políticos ou um aglomerado de seres organizados em prol desse ou daquele fim social (fundamento), para significar um embate de forças que compõem o próprio corpo político a partir das diferenças mesmas – ou das ontologias – sem, contudo, absolutizá-las em Políticas, de identidade (tão em moda ultimamente) ou quaisquer outras.
Pensamos, portanto, em modos de ser cujo phatos político consiste em pequenos deslocamentos, não em revoluções (as revoluções pretendem substituir algo por algo, ou seja, as revoluções discutem o fundamento – elas têm a verdade! Mas é a verdade que deve orientar o nosso existir político? Tantas, tantas vezes: verdade = violência). Os pequenos deslocamentos convivem em uma dança em que se integram e se excluem mutuamente – somos seres políticos em trânsito; somos transientes em um diálogo polêmico. O que seria uma ontologia do transiente político, daquele dos pequenos deslocamentos não fundacionais nem revolucionários, mas que assume o polemos ou a polêmica das ontologias como o seu estar no mundo? Provavelmente, a essa ontologia transiente não interessa o sucesso ou o fracasso, as ideologias ou as revoluções, mas apenas o estar-em-trânsito, pois é esta a condição dos pequenos deslocamentos que abrem, fecham e voltam a abrir múltiplas possibilidades.
Contudo não sugerimos, como se poderia supor, um estar-em-trânsito desinteressado e frívolo devido à transitoriedade das múltiplas possibilidades, mas, pelo contrário, apontamos para deslocamentos interessados, todavia, distraídos do princípio do fundamento. Remetemos o nosso pensamento aos pequenos deslocamentos tantas vezes aparentemente solitários ou isolados – na verdade singulares – mas que tecem uma rede de ontologias em uma política minimalista, uma política em que os elementos do seu próprio acontecimento se repetem com discretas variações polêmicas que dão o tom lento e rarefeito das transformações em trânsito – a ontologia micropolítica dos transeuntes.
Os pequenos deslocamentos de seres-em-trânsito nos fazem ver que a ontologia é política. Para a transformação e para a emergência do novo na sua diferença singular singularíssima – nunca isolada, mas sempre em uma rede de ontologias e, por isto, necessariamente política – nada mais necessitamos do que pequenos deslocamentos que, pela sua aparente insignificância, são incapazes de constituírem identidades. Que desse phatos político surjam, invariavelmente, Políticas (ou macropolíticas), é outra discussão que precisamos ainda empreender. De toda sorte, se esses pequenos deslocamentos refletirem a nossa ontologia, as macropolíticas sucumbirão constantemente ao frêmito do nosso phatos ontológico-político-polêmico ou, o que quer dizer o mesmo, ao frêmito da micropolítica dos transeuntes, em uma incessante descontrução não intencionada, mas essencial, ainda que se dê de forma contingente.

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