vineri, 4 aprilie 2008

A ontologia que resta

“Quero forças para o salto
do abismo onde me encontro
ao hiato onde me falto.”
(Paulo Leminski)


Na ontologia sem metafísica de Heidegger, o ser deixou de ser substância, substantivo, presença e desvelou-se como verbo, acontecimento, evento, um inapreensível fundamento nulo, o sem fundo de um abismo cujo véu é o nada. Pela primeira vez o ser “não é”. Esse âmbito do negativo – o inapreensível, o indizível, o sem fundo abissal – será superado em Agamben, para quem o ser é aquele que pronunciamos e precisamos pronunciar (por questões políticas!), todavia, sem que o fixemos na palavra. Agamben fala do “ser qualquer” ou da singularidade qualquer, o vulto. Mas será com Deleuze que a ontologia será completamente desconstruída em uma dança de devires, linhas de fuga, velocidades e rizoma, onde o ser já não encontra mais nenhum lugar. Atônitos, perguntamos então: depois de Heidegger, Agamben e Deleuze, podemos ainda falar de ontologia? Que ontologia nos resta?
Em meio a todas essas desconstruções, ainda “somos”. Mas quem somos? Talvez nada além daquilo que essas mesmas filosofias, cada qual a seu modo, testemunham – seres-em-trânsito. Somos uma tonalidade qualquer, um phatos, em pequenos deslocamentos. Não estamos, de fato, em nenhum lugar: somos os de todos os lugares. Somos, também e ao mesmo tempo, os de lugar nenhum. Estamos aí. A esse transiente acontece, na sua lida com as coisas, a procura e a instituição de referências (macropolíticas e fundamentos), mas sem que se reduza a nenhuma delas. O ser transiente é aquele que não admite absolutos, embora, tantas vezes, os exija (provisoriamente) como mote para o deslocamento.
Não estamos falando desse ou daquele devir, mas do “território” onde os devires acontecem, do “entre”. Não importa qual devir, importa o entremeio, o espaço aberto inconcluso. O entre não é uma estrutura metafísica que será preenchida pelo devir, mas aberturas dissolutas em possibilidades não necessariamente constituídas. Portanto, o entre não remete a esse ou aquele lugar, mas ao “trânsito”, o entre é o deslocamento ou o prenúncio dos deslocamentos. Falamos de uma abertura de possibilidades preenchidas, preenchíveis ou não, de devires que devém ou não, um entre que não se dá entre dois pólos ou referências, mas uma ponte sem margens, seres-em-trânsito. Os transeuntes sem dúvida não são nada além do próprio devir, mas também os transeuntes não “são” o próprio devir – os transeuntes: esses seres em trânsito, esses seres em deslocamento, os de todos os lugares e os de lugar nenhum.
A ontologia que resta é uma “ontologia transiente”. Uma ontologia também das multiplicidades, das diferenças, das alteridades, das singularidades, uma ontologia sem identidades. Uma ontologia em que ética e política se misturam. Essa ontologia não é mais superior à ética e à política como aspirava Aristóteles, mas tampouco a política e a ética são superiores à ontologia, como desejavam Arendt e Lévinas. Não existe mais filosofia primeira! Queremos pensar uma ontologia dos transeuntes, na qual ser e política necessariamente se confundem e onde a rarefação enfraquece a referência.

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