“que pode ser aquilo
lonjura, no azul, tranqüila?
se nuvem, por que perdura?
montanha,
como vacila?”
(Paulo Leminski)
Parece-me que estamos pensando as relações entre ontologia e política tentando evitar dois problemas: por um lado, o risco de cair em uma ontologia humeana e, por outro lado, o risco de mergulhar em uma metafísica das identidades (ou das presenças). Neste último caso (e esse é o meu ponto particular), a intenção é evitar o problema da violência (não das águas, mas das margens) que a estruturação de uma metafísica de identidades exige para se constituir – fixamos os seres (nós!) em formas que terminam por paralisar o nosso phatos, reduzimos o singular a um geral pensado. Já no primeiro caso (e não estou bem certa se é esse o ponto), o problema parece ser um mundo onde nada mais nos resta senão organizar, pois não há qualquer possibilidade ou necessidade. Nesse mundo das meras atualidades inanimadas, a contingência toma conta de tudo!
Bom, temos ensaiado dois caminhos que em alguns pontos se cruzam (na verdade, nem sei ainda se não acabam dizendo o mesmo) – a ontologia das potências (e dos poderes) e a ontologia dos transeuntes. Eu, particularmente, temo que a ontologia das potências termine desembocando justamente numa metafísica da identidade e, por outro lado, há também o temor de que a ontologia dos transeuntes termine naufragando em uma ontologia humeana. E agora? E agora seguimos em frente experimentando mais um pouco as nossas receitas (e misturando-as também) até isso dar em alguma coisa. Arrisco, então, mais um pouquinho os meus pensamentos (e, por favor, meus queridos parceiros da confraria do pensamento ontológico-político: se desejarem, metam o bedelho sem nenhum pudor!).
Vou tentar esclarecer o meu ponto – os deslocamentos. Eu poderia, talvez, tentar dizer algo diferente: não necessariamente fazer as malas, mas sempre viajar! Não é que estamos sempre de malas prontas para partir e não partimos, mas nós partimos sempre, mesmo sem malas prontas. Melhor: somos a partida. Não somos a possibilidade “de” alguma coisa, mas somos “possibilidade” enquanto tal (potências?). Isso não é mera contingência, mas o nosso ser. Somos “necessariamente” possibilidades, somos “necessariamente” deslocamentos. Somos quem somos. Não há algo que parte e chega a algo (potências aristotélicas que viram ato), não há um antes e um depois (malas prontas para a partida), mas o que “é” (malas) está em acontecimento (partida). Talvez não haja, portanto, rodinhas “nas” mobílias, mas as mobílias “são” as suas rodinhas. Somos a nossa cor, a nossa voz, o nosso rosto (mobílias), mas também não somos a nossa cor, a nossa voz, o nosso rosto (rodinhas ou deslocamentos): tudo ao mesmo tempo agora! (seres-em-trânsito). Isso seria uma ontologia humeana? Não estou bem certa disso. Sim, certamente, falamos de água que escorre pelas mãos, água que escapa entre os dedos, mas, de todo modo, falamos de água!
O que estou tentando pensar, talvez, na verdade, tenha muita influência de Agamben (Lá Communità che Viene). Agamben defende um “ser qualquer”, nem individual, nem universal, mas qualquer. Fala da singularidade pura, sem identidade, um ser-“dentro” um “fora”. Mesmo o pensamento da necessidade e da contingência tenta, o filósofo, superar. No seu livro, diz que “entre o ‘não poder não ser’ que sanciona o decreto da necessidade, e o ‘poder não ser’, que define a vacilante contingência, o mundo finito insinua uma contingência alla seconda potenza.” Para ele, toda potência é, ao mesmo tempo, potência de ser e de não ser, e é da impotência (possibilidade de não ser) que emerge a potência. Mas Agamben defende uma potência que não passa ao ato, que é uma potentia potentiae, não um ser-em-ato, mas uma procura que é uma passividade. Esse é o ponto em que eu discordaria de Agamben. Quero também esse singular qualquer, mas o vejo como um transeunte, como um ser-em-trânsito que, para mim, é justamente o seu elemento político!
Mas o que são potências (para nós)? “Barrigas de nada”, talvez. Mas “barrigas de nada” largadas nos seus lugares? Meras presenças? Se potências coincidem com o ato (talvez a única forma de livrá-las da metafísica aristotélica), então potências não seriam “pequenos deslocamentos”? (foi essa intervenção no blog que me fez aceitar a idéia de potências!). Potências são deslocamentos? Não estamos falando da mesma coisa? E se deslocamentos são potências temos ainda o risco de uma ontologia humeana? E se potências são deslocamentos temos ainda o risco de uma metafisica da identidade? Mas será que podemos mesmo dizer que potências são deslocamentos ou estou forçando a barra? Façam as suas apostas...
Intestina
Acum 4 ani
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