Um breve passeio pela cidade de Brasília nos esclarece em que medida a representação está insinuada em nosso cotidiano. Toda a ordenação que em nossa capital ganhou proporções absolutas expressa sozinha a batalha de milênios que a “humanidade” vem travando no intuito de identificar os sujeitos, classificar o sensível por meio de semelhanças, criar oposições de forma negativa e fundar analogamente a distribuição em lotes, sejam eles categorias ou propriedades, tudo aquilo que é, ou seja, “levar o idêntico a reinar sobre o próprio infinito e de fazer com que o infinito seja penetrado pela continuidade de semelhança, pela relação de analogia e pela oposição de predicados”. Nesse breve passeio encontramos as largas avenidas , as Super-Quadras ternamente pavimentadas e arborizadas tal um imenso jardim. Toda a setorização cindindo os diversos âmbitos do processo social em seus lotes específicos. E, se estendermos nosso passeio até as cidades ditas “satélites” encontraremos de certo a oposição centro/periferia que obviamente não é privilégio de Brasília. Todavia, apesar da ordem se restabelecer a cada novo dia, ao passarmos pelos largos eixos que cruzam a cidade, notamos que seu asfalto está há muito fragilizado pelos diversos recapeamentos, as calçadas de pedestres não param de ceder ante à grama e as plantas “antiplatoniáceas” que rigorosamente fendem sua dureza de concreto. E se nosso passeio se torna o passeio de um esquizofrênico, então, será impossível não perceber por detrás de toda dissimulação urbana a força irascível do cerrado que ora explode num pé-de-pau retorcido e seco numa entre-quadra e ora faz proliferar os calangos e outras criaturas rastejantes que se insinuam entre as frestas do concreto, sem nunca se deixar dominar inteiramente. Todo esse perceber das fragilidades na organização que, em geral, leva os puristas e adoradores da ordem estabelecida de todas as tendências politicas, messiânicas e integristas a exigirem por mais ordem! Mais ordenação! São, na verdade, as extravagâncias de um substratum que não se permite ordenar, uma tendência, por assim dizer, da própria vida a romper toda e qualquer barreira, ou melhor, de ser o próprio incapturável sobre o qual a representação incide no seu ímpeto ordenador e classificatório, onde “as oscilações do Idêntico em relação a uma matéria sempre rebelde, cujo o excesso e deficiência ele ora rejeita ora integra” indica uma batalha em curso, silenciosa batalha entre nossas representações e aquilo que nunca se deixa capturar por completo. Identidade, semelhança, oposição e analogia, as quatro raízes da representação (ilusões transcendentais) que traem o que se difere sem cessar. Poderíamos falar de dois planos superpostos, o Plano-Piloto e o Plano de Imanência, mas provavelmente deveríamos falar de múltiplos planos, em cada um deles haverá sempre vários planos, não só os planos da ordem com seus tentáculos armados, mas também os exuberantes planos da vida.
Abaixo o Plano-Piloto, viva o Plano de Imanência!!!
Intestina
Acum 4 ani
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