luni, 28 aprilie 2008
Metendo o bedelho...
Tudo isso não apenas em duetos, mas em quintetos, sextetos, infinetos... (Talvez) não “objetos articulados”, mas “singulares em trânsito político” – primadonnas que escorregam e cantam.
(objetos são aquilo que se opõe ao sujeito, são objetos da sua representação no pensamento, objetos são “objetos” para o pensamento: identidades x identidades.)
Podemos pensar sem objetos? Singulares, singulares, singulares...
(singulares não são objetos. singulares não são identidades. singulares jogam entre o quebra-cabeça e o mosaico. singulares escorregam e cantam - em duetos, sextetos...)
duminică, 27 aprilie 2008
Coral de primadonnas
Mosaicos: o que é um universo humeano? Não há modalidades - nem potências e nem conexões necessárias. Por que ele atrai? É um mundo de relações externas: não há nada que transcende a justaposição das coisas. É o cenário para as singularidades que se esbarram e se articulam sem um plano de organização.
Mas o pensamento parece um sintoma das potências e das conexões necessárias. A inteligibilidade é anátema de um mobiliário humeano - os mosaicos são feitos de elementos que, privados, ficam infensos ao que é geral, ao geral pensável. Porém as singularidades não são apenas limitadas pelo pensamento, elas encontram também nele recursos – o pensamento não é apenas uma prisão para as singularidades (o acordo, a exigência de um geral pensado de onde podem aparecer as diferenciações, as articulaçoes prontas), mas também um parque de diversões para elas. Ou seja, não apenas há um quebra-cabeças onde as peças podem ser encaixadas – e por vezes estão grudadas – mas também há a possibilidade de, com as peças, fazermos um mosaico.
O mundo é feito de conexões necessárias, mas não apenas delas. Podemos reagrupá-las de muitas diferentes maneiras – de acordo com as condições em que escorregamos entre elas, transitamos entre elas. As contingências reinventam as necessidades – não se trata de um nível básico de objetos, de matérias primas, mas de objetos articulados, de primadonnas que apenas cantam em duetos...
sâmbătă, 19 aprilie 2008
Mais Agamben...
vineri, 18 aprilie 2008
Política sem identidade
“Qual pode ser a política da singularidade qualquer, ou seja, de um ser cuja comunidade não é mediada por nenhuma condição de pertença (o ser vermelho, italiano, comunista) nem pela simples ausência de condições (comunidade negativa, como recentemente foi proposta na França por Blanchot), mas pela pertença mesma? (...) Posto que o fato novo da política que vem é que ela não será mais luta pela conquista ou o controle do estado, mas a luta entre o estado e o não-estado (a humanidade), disjunção incolmabile (?) da singularidade qualquer e da organização estatal. Isso não tem nada a ver com a simples revindicação da sociedade contra o estado, que, em anos recentes, tem cada vez mais encontrado expressão nos movimentos de contestação. As singularidades qualquer não podem formar uma societas porque não dispõem de nenhuma identidade para fazer valer, de nenhuma ligação de pertença para fazer reconhecer. Em última instância, de fato, o estado pode reconhecer qualquer revindicação de identidade – até mesmo (a história das relações entre estado e terrorismo no nosso tempo são-lhe uma eloqüente confirmação) aquela de uma identidade estatal no próprio interno [do seu sistema]; mas que das singularidades façamos comunidade sem revindicar uma identidade, que os homens co-pertençam sem uma representável condição de pertença (seja mesmo na forma de um simples pressuposto) – eis isso que o estado não pode em nenhum caso tolerar. Posto que o estado, como mostrou Badiou, não se funda sobre ligação social, da qual seria expressão, mas sobre a sua dissolução, que veta. Por isto, relevante não é nunca a singularidade como tal, mas somente a sua inclusão em uma identidade qualquer (mas que o qualquer mesmo seja tomado sem uma identidade – esta é uma ameaça com a qual o estado não está disposto a pactuar).
Um ser que fosse radicalmente privado de toda identidade representável seria para o estado absolutamente irrelevante. (...)
A singularidade qualquer, que quer apropriar-se da pertença mesma, do seu próprio ser-na-linguagem e declina, por isso, de toda identidade e de toda condição de pertença, é o principal inimigo do estado.”
Portanto – pensei eu – podemos, sim, deixar de levar uma identidade para casa, podemos perder o medo de pensar sem identidades! O que não quer dizer que não tenhamos outro princípio de individuação (concedo isso), como as singularidades ou os poderes ou as potências...
Refleti ainda outra coisa sobre a ontologia dos poderes em fuga. Como foi dito, os poderes podem ser pensados como devires. Ok, tudo bem. Pensei também assim: os poderes “em fuga” (adorei isso!) podem ser pensados como potências que coincidem com o ato (nuvem que perdura, montanha que vacila).
Por enquanto, é isso aí! Muitos, muitos beijos alegres para os meus singulares preferidos!
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Desejo um milhão de sucessos no congresso de jovens filósofos!
joi, 17 aprilie 2008
Ontologia de poderes em fuga
Uma ontologia de poderes, como sugere mais ou menos a Lus, é humeana no bom sentido: territorializamos os poderes que são o que há. Bem, não é exatamente que propriedades (entendidas como aglomerados ou fardos de poderes) são uma segunda criaçao, ou seja, coisa nossa. Os poderes podem ser pensados em contraste com as propriedades que os territorializam. Mas propriedades não são o único modo de domesticar e disciplinar poderes.
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Em breve vamos fazer uma exposição sobre ontologia e política no congresso espanhol de jovens filósofos. Vamos tentar mostrar uma linha de crescente possibilidade de politização que começa com Hume, passa por Hegel, Wittgenstein, Foucault e termina com Deleuze e Guattari (por enquanto). Vamos ver se cola.
miercuri, 16 aprilie 2008
Mobílias são suas rodinhas (diálogo com “deslocamentos ontológicos?” e com todo o resto)
lonjura, no azul, tranqüila?
se nuvem, por que perdura?
montanha,
como vacila?”
(Paulo Leminski)
Parece-me que estamos pensando as relações entre ontologia e política tentando evitar dois problemas: por um lado, o risco de cair em uma ontologia humeana e, por outro lado, o risco de mergulhar em uma metafísica das identidades (ou das presenças). Neste último caso (e esse é o meu ponto particular), a intenção é evitar o problema da violência (não das águas, mas das margens) que a estruturação de uma metafísica de identidades exige para se constituir – fixamos os seres (nós!) em formas que terminam por paralisar o nosso phatos, reduzimos o singular a um geral pensado. Já no primeiro caso (e não estou bem certa se é esse o ponto), o problema parece ser um mundo onde nada mais nos resta senão organizar, pois não há qualquer possibilidade ou necessidade. Nesse mundo das meras atualidades inanimadas, a contingência toma conta de tudo!
Bom, temos ensaiado dois caminhos que em alguns pontos se cruzam (na verdade, nem sei ainda se não acabam dizendo o mesmo) – a ontologia das potências (e dos poderes) e a ontologia dos transeuntes. Eu, particularmente, temo que a ontologia das potências termine desembocando justamente numa metafísica da identidade e, por outro lado, há também o temor de que a ontologia dos transeuntes termine naufragando em uma ontologia humeana. E agora? E agora seguimos em frente experimentando mais um pouco as nossas receitas (e misturando-as também) até isso dar em alguma coisa. Arrisco, então, mais um pouquinho os meus pensamentos (e, por favor, meus queridos parceiros da confraria do pensamento ontológico-político: se desejarem, metam o bedelho sem nenhum pudor!).
Vou tentar esclarecer o meu ponto – os deslocamentos. Eu poderia, talvez, tentar dizer algo diferente: não necessariamente fazer as malas, mas sempre viajar! Não é que estamos sempre de malas prontas para partir e não partimos, mas nós partimos sempre, mesmo sem malas prontas. Melhor: somos a partida. Não somos a possibilidade “de” alguma coisa, mas somos “possibilidade” enquanto tal (potências?). Isso não é mera contingência, mas o nosso ser. Somos “necessariamente” possibilidades, somos “necessariamente” deslocamentos. Somos quem somos. Não há algo que parte e chega a algo (potências aristotélicas que viram ato), não há um antes e um depois (malas prontas para a partida), mas o que “é” (malas) está em acontecimento (partida). Talvez não haja, portanto, rodinhas “nas” mobílias, mas as mobílias “são” as suas rodinhas. Somos a nossa cor, a nossa voz, o nosso rosto (mobílias), mas também não somos a nossa cor, a nossa voz, o nosso rosto (rodinhas ou deslocamentos): tudo ao mesmo tempo agora! (seres-em-trânsito). Isso seria uma ontologia humeana? Não estou bem certa disso. Sim, certamente, falamos de água que escorre pelas mãos, água que escapa entre os dedos, mas, de todo modo, falamos de água!
O que estou tentando pensar, talvez, na verdade, tenha muita influência de Agamben (Lá Communità che Viene). Agamben defende um “ser qualquer”, nem individual, nem universal, mas qualquer. Fala da singularidade pura, sem identidade, um ser-“dentro” um “fora”. Mesmo o pensamento da necessidade e da contingência tenta, o filósofo, superar. No seu livro, diz que “entre o ‘não poder não ser’ que sanciona o decreto da necessidade, e o ‘poder não ser’, que define a vacilante contingência, o mundo finito insinua uma contingência alla seconda potenza.” Para ele, toda potência é, ao mesmo tempo, potência de ser e de não ser, e é da impotência (possibilidade de não ser) que emerge a potência. Mas Agamben defende uma potência que não passa ao ato, que é uma potentia potentiae, não um ser-em-ato, mas uma procura que é uma passividade. Esse é o ponto em que eu discordaria de Agamben. Quero também esse singular qualquer, mas o vejo como um transeunte, como um ser-em-trânsito que, para mim, é justamente o seu elemento político!
Mas o que são potências (para nós)? “Barrigas de nada”, talvez. Mas “barrigas de nada” largadas nos seus lugares? Meras presenças? Se potências coincidem com o ato (talvez a única forma de livrá-las da metafísica aristotélica), então potências não seriam “pequenos deslocamentos”? (foi essa intervenção no blog que me fez aceitar a idéia de potências!). Potências são deslocamentos? Não estamos falando da mesma coisa? E se deslocamentos são potências temos ainda o risco de uma ontologia humeana? E se potências são deslocamentos temos ainda o risco de uma metafisica da identidade? Mas será que podemos mesmo dizer que potências são deslocamentos ou estou forçando a barra? Façam as suas apostas...
E, no entanto, viva Hume
Porém sob esse mosaico há os elementos basicos que são objetos (singulares) sem propriedades. É como se o caos fosse também a inanimação. Uma ontologia dos poderes pode ser apresentada assim: um mosaico com peças de quebra-cabeça. Não é que nós ordenamos o caos, é que os elementos do mundo fogem da ordenação, tanto da nossa quanto de qualquer outra. Ou seja, há atividade já nos elementos básicos do mundo - pelo menos a atividade de fugir da ordem. E, ter poderes, não significa obedecer a uma ordem transcendente - poderes são resistências. Podemos ter elementos com poderes e, ainda assim, formando um mosaico aberto nas mãos dos criadores de ordem (ou remendadores de guarda-chuva) que nós supostamente somos.
marți, 15 aprilie 2008
Deslocamentos ontológicos?
Como livrar os deslocamentos de uma ontologia humeana (em quatro passos)
2. Acrescente ao ser (ou às potências) muitas possibilidades
3. Se desejar – isso depende do seu paladar – acrescente poderes (a gosto)
4. Misture tudo!
Obs: Preste atenção para que os seres ou potências estejam vazios o suficiente para não constituírem identidades.
Advertência: procedimento ainda em fase de experimentação. Se não der certo, tente de novo com outra receita.
duminică, 13 aprilie 2008
Transeuntes
no fim do fim o que há? o que futura
no ante-início do início e o ilumina?
(...)
sigo um caminho? busco-me na busca?
finjo uma hipótese entre o não e o sim?
remiro-me no espelho do perplexo?
recolho-me por dentro? vou de mim
para fora de mim tacteando o nexo?
observo o paradoxo do outrossim
e do outronão discuto o anjo e o sexo?
O nexo o nexo o nexo o nexo o nex”
(Haroldo de Campos)
sâmbătă, 12 aprilie 2008
Deslocamentos
para o canto – desde os pássaros.
A palavra sem pronúncia, ágrafa.
Quero o som que ainda não deu liga.
Quero o som gotejante das violas de cocho.
A palavra que tenha um aroma ainda cego.
Até antes do murmúrio.
Que fosse nem um risco de voz.
Que só mostrasse a cintilância dos escuros.
A palavra incapaz de ocupar o lugar de uma
imagem.
O antesmente verbal: a despalavra mesmo."
(Manoel de Barros)
joi, 10 aprilie 2008
Ontologias
Os singulares não são Identidades, mas “potências” transientes. As potências, por sua vez, não são Princípios de Individuação, mas modos de deslocamento, saltos no ar, “barrigas (transientes) de nada” em vôo livre. As suas relações são (micro)políticas. A política lhes assalta e atravessa sempre, em pequenos deslocamentos que transformam possibilidades em possibilidades.
miercuri, 9 aprilie 2008
Política e esquecimento do ser
Sobre mobílias e rodinhas (ou sobre o rio e as suas margens)
Parece que a pergunta pelo fundamento (macropolíticas e referências) é coisa do pensamento. Então talvez seja algo assim:
As mobílias preenchem bastante o universo. As mobílias também enfeitam o universo. O rio se sabe rio pelas suas margens, assim como a ponte. São as margens que dizem: eis a ponte! Criamos referências, constituímos macropolíticas, defendemos fundamentos. Exigimos absolutos! (?) Para quê? Para transitar... As mobílias se deslocam com as suas rodinhas, o rio corre apesar (e por causa) das suas margens, a ponte não se encerra na sua geometria – construímos pontes para atravessá-las! Queremos o além das pontes, o curso violento das águas, as rodinhas deslocando mobílias (mobílias sem rodinhas são entulhos que nos atrapalham, como malas sem alça). Inventamos o fixo para alcançar o móvel. Construímos casas para sair de casa, carros para neles não ficar, pontes para atravessá-las. E inventamos o que for – jatos, balões, navios, patinetes, cordas, pára-quedas, políticas, fotografias, filosofias, asa delta, receitas, música, bicicletas, antropologias, revoluções, viagens, cinzeiros e sucos de uva – para estar-em-trânsito. Somos transeuntes.
A referência é o mote para o deslocamento. Mas o deslocamento – e isso é o que importa – jamais se detém na referência. Estamos aí em uma ultrapassagem incessante.
duminică, 6 aprilie 2008
Passeio breve
O rio e suas margens
Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem.
Bertold Brecht
Esses versos de Brecht expressam uma imagem antiga na tradição ocidental do pensamento, o grande rio do devir do qual falava Heráclito. Porém, aqui está tornado explícito o que talvez no dito de Heráclito permanecia velado, que a impossibilidade de entrar novamente no rio supõe que a fúria das águas, o transcorrer do real num incessante deslize arrastando toda a natureza, toda a física num só movimento, gera uma violência, uma brutalidade. No entanto, aqui, esta violência é contrabalanceada sofrendo de um outro tipo de violência de natureza irredutível a primeira, por não decorrer do mesmo movimento. No meio há o se tornar do mundo que não preserva seja o que for, tudo aquilo que compõe uma determinada situação no próximo instante é arrastado, e de tal forma que tudo aquilo que se quer preservar acaba por ser violentado em sua busca por permanecia. Por outro lado há uma suspeita de que nas bordas do se tornar de todas as coisas, cercando sua brutalidade e força, algo o limita cerceando seu curso. Porém no dizer de Brecht só uma dessas violências é dita como tal, talvez por sermos habituados com as bordas que parecem tão seguras e acolhedoras esquecemos o quão violentos podem ser os limites. A violência das margens, as linhas tortuosas e opressivas das beiras dos rios. Há aí uma politica instaurada entre a borda do rio e suas águas.
vineri, 4 aprilie 2008
O universo não tem mobília, mas tem rodinhas com pequenos deslocamentos
Potências: por toda parte potências que repousam em outras potências. Como disse Armstrong uma vez: potência que chega ao ato mas sempre já de malas prontas para a próxima viagem. Potências estão inseridas no meio das coisas - as barrigas de nada que têm todos os entes. Ando me sentindo pan-disposicionalista: poderes, poderes, poderes e nenhuma determinação estável que sirva de berço explêndido para as possibilia. Potentia: por que aquilo que tem um apoio fixo teria mais direitos ontológicos?
A ontologia que resta
do abismo onde me encontro
ao hiato onde me falto.”
(Paulo Leminski)
Na ontologia sem metafísica de Heidegger, o ser deixou de ser substância, substantivo, presença e desvelou-se como verbo, acontecimento, evento, um inapreensível fundamento nulo, o sem fundo de um abismo cujo véu é o nada. Pela primeira vez o ser “não é”. Esse âmbito do negativo – o inapreensível, o indizível, o sem fundo abissal – será superado em Agamben, para quem o ser é aquele que pronunciamos e precisamos pronunciar (por questões políticas!), todavia, sem que o fixemos na palavra. Agamben fala do “ser qualquer” ou da singularidade qualquer, o vulto. Mas será com Deleuze que a ontologia será completamente desconstruída em uma dança de devires, linhas de fuga, velocidades e rizoma, onde o ser já não encontra mais nenhum lugar. Atônitos, perguntamos então: depois de Heidegger, Agamben e Deleuze, podemos ainda falar de ontologia? Que ontologia nos resta?
Em meio a todas essas desconstruções, ainda “somos”. Mas quem somos? Talvez nada além daquilo que essas mesmas filosofias, cada qual a seu modo, testemunham – seres-em-trânsito. Somos uma tonalidade qualquer, um phatos, em pequenos deslocamentos. Não estamos, de fato, em nenhum lugar: somos os de todos os lugares. Somos, também e ao mesmo tempo, os de lugar nenhum. Estamos aí. A esse transiente acontece, na sua lida com as coisas, a procura e a instituição de referências (macropolíticas e fundamentos), mas sem que se reduza a nenhuma delas. O ser transiente é aquele que não admite absolutos, embora, tantas vezes, os exija (provisoriamente) como mote para o deslocamento.
Não estamos falando desse ou daquele devir, mas do “território” onde os devires acontecem, do “entre”. Não importa qual devir, importa o entremeio, o espaço aberto inconcluso. O entre não é uma estrutura metafísica que será preenchida pelo devir, mas aberturas dissolutas em possibilidades não necessariamente constituídas. Portanto, o entre não remete a esse ou aquele lugar, mas ao “trânsito”, o entre é o deslocamento ou o prenúncio dos deslocamentos. Falamos de uma abertura de possibilidades preenchidas, preenchíveis ou não, de devires que devém ou não, um entre que não se dá entre dois pólos ou referências, mas uma ponte sem margens, seres-em-trânsito. Os transeuntes sem dúvida não são nada além do próprio devir, mas também os transeuntes não “são” o próprio devir – os transeuntes: esses seres em trânsito, esses seres em deslocamento, os de todos os lugares e os de lugar nenhum.
A ontologia que resta é uma “ontologia transiente”. Uma ontologia também das multiplicidades, das diferenças, das alteridades, das singularidades, uma ontologia sem identidades. Uma ontologia em que ética e política se misturam. Essa ontologia não é mais superior à ética e à política como aspirava Aristóteles, mas tampouco a política e a ética são superiores à ontologia, como desejavam Arendt e Lévinas. Não existe mais filosofia primeira! Queremos pensar uma ontologia dos transeuntes, na qual ser e política necessariamente se confundem e onde a rarefação enfraquece a referência.
marți, 1 aprilie 2008
Por uma ontologia micropolítica dos transeuntes
(Paulo Leminski)
Toda ontologia é política, queiramos ou não. A ontologia conduz ou orienta a nossa compreensão e a nossa lida com as coisas e, enquanto tal, é invariavelmente política. Porém, as ontologias são muitas. De ontologias mais metafísicas, nascem pensamentos éticos e políticos também mais metafísicos. Portanto, a questão não é se há ligação entre ontologia e política, mas qual política (ou ontologia) queremos fazer. Uma perspectiva: é possível pensar uma ontologia menos metafísica e, portanto, uma ontologia da não violência? O que seria uma ontologia que escapasse ao totalitarismo do pensamento tal como o entende, por exemplo, Heidegger, Lévinas ou Vattimo? Seria possível uma ontologia sem estruturas metafísicas que comumente fundamentam o conhecimento e legitimam a manipulação e o controle do real?
O nosso desafio é pensar uma ontologia política que escape do discurso sobre o fundamento, o discurso sobre o “princípio geral” ou sobre a “síntese universal” que termina por anular o singular na sua alteridade. Essa é a questão que desejamos explorar até as suas últimas conseqüências, mas por um caminho particular: não precisamos continuar sobre a velha e sempre atual discussão acerca da superação da metafísica iniciada por Nietzsche e desenvolvida por Heidegger e Derrida, mas pretendemos partir desse ambiente discursivo já acontecido e, com essa herança, pensar a própria questão a partir de outro horizonte – não mais a metafísica, mas o nosso ser e estar político no mundo. A superação da metafísica permanece não como figura central da nossa reflexão, mas como fundo ou solo que sustenta e alimenta o nosso filosofar.
Imersos nesse ambiente reflexivo, enfrentamos a questão: “o polemos pode ser uma categoria política que mostra ontologias?” Surge uma primeira inquietação: não deveríamos, antes de tudo, evitar pensar em termos de “categoria” política? Uma categoria é uma concepção genérica que categoriza uma experiência que queremos preservar como singular e, portanto, não passível de categorização. Fazer do polemos uma “categoria” pode significar a aniquilação do seu sentido, ou seja, a eliminação do inquieto embate que constitui a sua força, pela imposição identitária que uma formulação filosófica como “categoria” exige. O que aconteceria se, ao invés de “categoria” política, pensássemos em “pathos” político?
O phatos não é uma “categoria”, mas uma tonalidade como, por exemplo, o espanto, o phatos filosófico dos primeiros pensadores gregos. Podemos ainda ir além: e se ao invés de questionarmos se o polemos poderia ser uma “categoria” política que “mostra” ontologias, perguntássemos se o polemos poderia ser o pathos político que diz respeito ao próprio acontecimento das ontologias? Poderíamos, portanto, pensar assim: polemos = ontologias. O polemos pode ser entendido não mais como uma “categoria que mostra” mas como um phatos que é.
O nosso esforço tem o intuito de evitar o discurso sobre o fundamento que conduz, entre outras coisas, às políticas de identidade e que, por sua vez, remetem ao problema da violência, como já mencionamos (o polemos, pensado como “categoria” política, não poderia assumir esse caráter?). Evitar o discurso sobre o fundamento não significa, em absoluto, negar o fundamento (pois talvez o nosso pensamento o exija), mas significa não fazer uso dele ou, pelo menos, não deixá-lo ocupar o centro da nossa reflexão – passamos pela borda da questão, seguimos distraídos.
Um caminho nos é apontado por Agamben que, em “La comunità che viene”, sustenta que basta um pequeno deslocamento para que venha o “novo reino”. Assim, ao invés de fundamentos ocupando o centro do pensamento, podemos pensar em pequenos deslocamentos. Falamos, então, de pequenos deslocamentos de um modo de ser “em trânsito” que tem como phatos a polis ou o ambiente político no seu polemos. Dessa forma, a polis deixa de ser uma soma de indivíduos políticos ou um aglomerado de seres organizados em prol desse ou daquele fim social (fundamento), para significar um embate de forças que compõem o próprio corpo político a partir das diferenças mesmas – ou das ontologias – sem, contudo, absolutizá-las em Políticas, de identidade (tão em moda ultimamente) ou quaisquer outras.
Pensamos, portanto, em modos de ser cujo phatos político consiste em pequenos deslocamentos, não em revoluções (as revoluções pretendem substituir algo por algo, ou seja, as revoluções discutem o fundamento – elas têm a verdade! Mas é a verdade que deve orientar o nosso existir político? Tantas, tantas vezes: verdade = violência). Os pequenos deslocamentos convivem em uma dança em que se integram e se excluem mutuamente – somos seres políticos em trânsito; somos transientes em um diálogo polêmico. O que seria uma ontologia do transiente político, daquele dos pequenos deslocamentos não fundacionais nem revolucionários, mas que assume o polemos ou a polêmica das ontologias como o seu estar no mundo? Provavelmente, a essa ontologia transiente não interessa o sucesso ou o fracasso, as ideologias ou as revoluções, mas apenas o estar-em-trânsito, pois é esta a condição dos pequenos deslocamentos que abrem, fecham e voltam a abrir múltiplas possibilidades.
Contudo não sugerimos, como se poderia supor, um estar-em-trânsito desinteressado e frívolo devido à transitoriedade das múltiplas possibilidades, mas, pelo contrário, apontamos para deslocamentos interessados, todavia, distraídos do princípio do fundamento. Remetemos o nosso pensamento aos pequenos deslocamentos tantas vezes aparentemente solitários ou isolados – na verdade singulares – mas que tecem uma rede de ontologias em uma política minimalista, uma política em que os elementos do seu próprio acontecimento se repetem com discretas variações polêmicas que dão o tom lento e rarefeito das transformações em trânsito – a ontologia micropolítica dos transeuntes.
Os pequenos deslocamentos de seres-em-trânsito nos fazem ver que a ontologia é política. Para a transformação e para a emergência do novo na sua diferença singular singularíssima – nunca isolada, mas sempre em uma rede de ontologias e, por isto, necessariamente política – nada mais necessitamos do que pequenos deslocamentos que, pela sua aparente insignificância, são incapazes de constituírem identidades. Que desse phatos político surjam, invariavelmente, Políticas (ou macropolíticas), é outra discussão que precisamos ainda empreender. De toda sorte, se esses pequenos deslocamentos refletirem a nossa ontologia, as macropolíticas sucumbirão constantemente ao frêmito do nosso phatos ontológico-político-polêmico ou, o que quer dizer o mesmo, ao frêmito da micropolítica dos transeuntes, em uma incessante descontrução não intencionada, mas essencial, ainda que se dê de forma contingente.
A somehow different version of the principles of a non-fascist ontology
Ontology has room for proliferation, juxtaposition, and disjunction, it is composed by relations between powers and not a hierarchy of realms
Withdraw allegiance from the old categories of the Negative (law limit, castration, lack, lacuna, parsimony, reduction, irrelevance), which Western thought has long held sacred as a form of access to reality. Prefer what is positive and multiple: difference over uniformity, flows over unities, mobile arrangements over systems. Believe that what is in your ontology is to be productive and not sedentary but nomadic. The Ockham’s razor can cut one’s head off: the superfluous is the mark of powers to come.
Do not think that the world has to be grey to be understood, even though there are grey and bleak parts of the world. They should not be what is there to be matched. It is the connection of desire to reality (and not its retreat into the forms of representation) that possesses revolutionary force.
Do not use thought to shepherd ontology – thought is part of it.
Do not demand of individuals out of your ontology. Any singularity could become an established order; they are all passing singularities. Wholes are constantly dissolving and recreating singularities.
Don’t think of the world as made of dominions, with borders that could be controlled.
Eleatas, Mumford e a tese de que ontologia é política.
A ontologia das potências nem precisa ter outro princípio de individuação senão elas mesmas. Stephen Mumford defende um pan-disposicionalismo: todas as propriedades são feitas de potências, todos os indivíduos são feitos de potência. Ele quer que exorcizemos uma suposição humeana que dá origem a imagem de um mundo inanimado e coordenado desde fora por leis. Leis são redundantes ou são alheias às potências. Como os poderes: as leis os domesticam, os enquadram, os dissimulam em sua força. A realidade não precisa ser feita de nada senão poderes, potências.
Então talvez ontologia e política possam ser vistas como a mesma coisa...