Nietzsche cunhou o pensamento do Eterno Retorno para fazer a distinção entre desejo e esperança (ou entre amor fati e nostalgia). Nem um fatalismo turco e nem um senso de dever recompensado em um Reino dos Fins (ver Luciana Ferreira em sua linda análise do que anda errado com um certo modo kantiano de pensar no dever). Se desejo o acontecimento, não me importa sua singularidade, seu caráter de salvação ou perdição do mundo, sua significação: o que quero é aquilo mesmo se aquilo dissipe todas as identidades inclusive a minha própria identidade comigo mesmo. É o acontencimento - a imanência pura - que me atrai e que me conduz (nenhuma recompensa, nenhum senso de sentido). Trata-se de levar ao cabo a intuiçao Spinozana de que a alegria vem com a virtude e não como conseqüência dela. A doutrina do Eterno Retorno é uma pedra na vidraça da pergunta pelo sentido da vida (humana): a pergunta sobre o sentido é reflexo da fraqueza dos desejos.
A doutrina dissipa as identidades - é como se a identidade fosse uma imposição sobre a diferença (cada palavra é um preconceito). Porém porque a identidade parece metafisicamente importante?
Hume, diz a lenda inclusive nesses Prolegômenos, aderiu e recomendou uma ontologia modalmente inerte - e nisso foi seguido por Kant e a maior parte da filosofia do século XX inocente de Spinoza. Bem, mas isso é realmente possível? Heil e Martin em um texto de 1999 chamado The Ontological Turn dizem plácida e candidamente algo assim: para Hume conexões necessárias só podem existir entre coisas idênticas e, portanto, causação não pode ser conexão necessária. Em certo sentido, é claro - a não ser que se entenda que Hume na verdade tinha uma teoria da conexão necessária causal o que algumas pessoas afirmam mas que me parece muito estranho. Hume queria mostrar que não havia conexão necessária a não ser que a necessidade fosse entendida como necessidade lógica, semântica - ou, para dizer de maneira curta e grossa, necessidade analítica (a priori etc.). Ah, vocês dirão já: mas então há necessidade. Ou seja, existem algumas conexões necessárias no mundo - que não é, portanto, modalmente inerte. Agora, se a distinção entre lógica e ontologia (ou semântica e metafísica) desaparece por algum truque (por exemplo, pelo artifício de rejeitar o primeiro dogma denunciado por Quine), não há mas porque manter certas conexões necessárias e não outras. Dito de outra forma: Quine dissolve Hume. Em que pé ficamos? Bem, mesmo Hume tinha uma ontologia modal. Talvez isso sugira que não possamos ter genuínas ontologias sem modalidade.
A doutrina do eterno retorno dissipa as identidades e postula um outro tipo de necessidade. Tenta dar ao devir o caráter que tinha o ser. Nenhuma necessidade? Talvez possamos fazer como os velhos megáricos mas desconfio que se podemos falar de futuro temos que falar de conexão necessária. Agora, podemos não fazer mais ontologia. Como, exatamente?
Intestina
Acum 4 ani
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