miercuri, 14 mai 2008

Do um e do multiplo

Talvez o problema ontológico aplicado a política, ou melhor, o problema em política dito ontologicamente possa ser expresso da seguinte maneira (à la Pierres Clastres): Por um lado temos sociedades com Estado onde a sociedade, o múltiplo, a diferença, etc estão submetidas a um princípio externo a suas próprias relações, princípio chamado de transcendental justamente por seu caráter extrínseco. O Estado surge de um mau encontro, de algo que "a natureza nega-se ter feito, e a lingua se recusa a nomear" (do texto de La Boétie "Discurso da Servidão Voluntária"), e se ergue fundado em alicerces metafísicos que o justifica e denuncia a estreita relação que a filosofia manteve com os poderes estabelecidos e os valores em curso. Por outro lado temos sociedades sem Estado onde o poder de decisão política pertence a própria sociedade, seu princípio de ordenação social é imanente, intrínseco as próprias relações, e isso não por acaso, ou por uma suposta infância ou minoridade desses povos que com o tempo invariavelmente acabariam por fundar eles também um Estado, a obra de Clastres é toda uma análise dos mecanismos que esses povos usavam para desarticular qualquer ascensão de um grupo que pretenda estabelecer um tal princípio transcendental. Ora, uma dessas estratégias é a manutenção da sociedade na guerra, é necessário que haja um pólemos a todo tempo instaurado que demande uma atividade guerreira constante e que nada seja posto acima, além ou aquém do pólemos ele mesmo.
Em nossa sociedade submetida ao Uno ordenador transcendental do Estado temos uma série de filósofos que não se deixaram cair no aparelho de captura do Estado e que combateram a imagem dogmática do pensamento, e o que nos dizem esses filósofos? De Spinoza a Nietzsche é sempre a mesma recusa de participar do jogo vil das pequenas concessões, é sempre uma mesma postura problematizadora que abre o pensamento para o problemático, que se mantem no pólemos. Através desses filósofos podemos encontrar a vocação guerreira escondida atrás de uma das máscaras do filósofo, pois o "guerreiro ama, antes de mais nada, a guerra" e no quanto sua tarefa é infinita dá-se sempre esse alisamento do espaço onde o pensamento encontra suas potencialidades nomádicas unido a grande multidão, as massa moleculares, os fluxos de multiplicidades que não param de escapar das codificações e sobrecodificações do aparelho de Estado.
Por fim gostaria de lembrar daquela idéia tão bonita presente na obra de Nietzsche chamada de "a grande saúde" uma tal que não apenas se tem, mas que constantemente se adquire e que se perde para reconquistá-la, sempre instaurando o pólemos, o problemático. Afinal não seria esse o pathos filosófico par excellence? ou ao menos, não seria esse o único pathos filosófico que ainda nos cabe, a nós filósofos tropicais?

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