sâmbătă, 31 mai 2008

Elogio da vertigem III

“Mas a imanência não está ameaçada somente por essa ilusão da transcendência, que gostaria de obrigá-la a sair de si e a vomitar o transcendente; ou, antes, essa ilusão é algo como uma ilusão necessária no sentido de Kant, que a própria imanência gera do seu interior e na qual todo filósofo cai quanto mais procura aderir intimamente ao plano da imanência. A exigência irrenunciável do pensamento é também a tarefa mais difícil, em que o filósofo a cada instante corre o risco de perder-se. Sendo o ‘movimento do infinito’, para além do qual não há nada, a imanência é desprovida de qualquer ponto fixo e de todo horizonte que poderia permitir a orientação: ‘o movimento capturou tudo’ e o único oriente possível é a vertigem em que dentro e fora, imanência e transcendência incessantemente se confundem. Que Deleuze se choque aqui contra algo como um ponto-limite está testemunhado pela passagem em que o plano de imanência se apresenta juntamente com aquilo que deve ser pensado e com aquilo que não pode ser pensado: ‘Talvez este seja o gesto supremo da filosofia: não tanto pensar o plano de imanência, mas mostrar que ele está lá, não pensado, em cada plano. Pensá-lo dessa maneira, como o fora e o dentro do pensamento, o fora não exterior e o dentro não interior.’”

(Agamben, A imanência absoluta)

Elogio da vertigem II

“já que sentir é primeiro
quem dá alguma atenção
à sintaxe das coisas
nunca a beijará por inteiro;

em ser inteiramente louco
enquanto a Primavera está no mundo

meu sangue aquiesce,
e o beijo é fado melhor
que a sabedoria
moça juro por todas as flores. Não chore
-o melhor meneio de minha mente não
vale o bater das suas pálpebras dizendo

nascemos um para o outro: então
sorria,caia nos meus braços
pois a vida não é um parágrafo

E a morte a meu ver não é um parêntese”

(e.e.cummings)

Elogio da vertigem

“Não há nada lá fora?
Nem mesmo a idéia de um lá-fora?
Não será possível,
ou sequer concebível,
o ir-embora?

Pode-se ficar dentro?
Não? Também não há um cá-dentro?
Será ilusão
acreditar então
que saio e entro?

Perdão se sou existente
– perdão! quis dizer “insistente” –,
mas não há um lugar
onde se possa estar,
mesmo que ausente?”

(Paulo Henriques Britto, Sete Peças Acadêmicas, II)

Amor por Hume (e pela adorável liberdade adolescente da pretensão de uma ontologia sem fronteiras)

Se há necessidade lógica, semântica, então talvez não haja necessidade fora da lógica e da semântica. Lindamente foi dito: “a filosofia não é sobre princípios, é sobre inícios”. Como uma filosofia sobre inícios pode postular conexões necessárias? Sim, certamente pode, mas uma filosofia sobre inícios não tem como “necessidade” tais conexões. Os inícios não são necessariamente princípios. Que filosofia queremos? Princípios ou inícios? Conexões necessárias ou desejos? Sim, ao invés de conexões necessárias (logicamente e semanticamente exigidas) talvez possamos pensar em desejos (existencialmente e ontologicamente sugeridos). Desejos no sentido deleuziano, portanto, não subjetivos. Desejos que são agenciamentos políticos. (Conexões necessárias seriam desejos – ou agenciamentos – vistos com olhos analíticos?) Talvez possamos pensar em agenciamentos possíveis... Podemos, talvez, falar de futuro a partir dos desejos que são deslocamentos pathofânticos... “Nenhuma recompensa, nenhum senso de sentido” – desejo, pathos imanente. Por que tememos tanto a vertigem?

Podemos usar a filosofia tanto para escapar da vertigem quanto para enfrentá-la:
Às vezes penso que é justamente aquilo que rompe com as (ou se distrai das) conexões necessárias, exigências lógicas e semânticas, que abre espaços novos. Como a arte. Como a poesia. Como Nietzsche. Como Hume, o poeta da vertigem.

(particularmente, não amo a verdade, não tenho nenhuma preocupação com a verdade.
amo os inícios.)

(Não fazer mais ontologia. Como exatamente?)

joi, 29 mai 2008

Uma Lus sobre a Autonomia da Vontade

Como assim, autonomia da vontade?
Luciana repercute diferenças:

http://gamaon.vilabol.uol.com.br/gama-legein/01.html

Nem existe ontologia a-modal

Nietzsche cunhou o pensamento do Eterno Retorno para fazer a distinção entre desejo e esperança (ou entre amor fati e nostalgia). Nem um fatalismo turco e nem um senso de dever recompensado em um Reino dos Fins (ver Luciana Ferreira em sua linda análise do que anda errado com um certo modo kantiano de pensar no dever). Se desejo o acontecimento, não me importa sua singularidade, seu caráter de salvação ou perdição do mundo, sua significação: o que quero é aquilo mesmo se aquilo dissipe todas as identidades inclusive a minha própria identidade comigo mesmo. É o acontencimento - a imanência pura - que me atrai e que me conduz (nenhuma recompensa, nenhum senso de sentido). Trata-se de levar ao cabo a intuiçao Spinozana de que a alegria vem com a virtude e não como conseqüência dela. A doutrina do Eterno Retorno é uma pedra na vidraça da pergunta pelo sentido da vida (humana): a pergunta sobre o sentido é reflexo da fraqueza dos desejos.
A doutrina dissipa as identidades - é como se a identidade fosse uma imposição sobre a diferença (cada palavra é um preconceito). Porém porque a identidade parece metafisicamente importante?
Hume, diz a lenda inclusive nesses Prolegômenos, aderiu e recomendou uma ontologia modalmente inerte - e nisso foi seguido por Kant e a maior parte da filosofia do século XX inocente de Spinoza. Bem, mas isso é realmente possível? Heil e Martin em um texto de 1999 chamado The Ontological Turn dizem plácida e candidamente algo assim: para Hume conexões necessárias só podem existir entre coisas idênticas e, portanto, causação não pode ser conexão necessária. Em certo sentido, é claro - a não ser que se entenda que Hume na verdade tinha uma teoria da conexão necessária causal o que algumas pessoas afirmam mas que me parece muito estranho. Hume queria mostrar que não havia conexão necessária a não ser que a necessidade fosse entendida como necessidade lógica, semântica - ou, para dizer de maneira curta e grossa, necessidade analítica (a priori etc.). Ah, vocês dirão já: mas então há necessidade. Ou seja, existem algumas conexões necessárias no mundo - que não é, portanto, modalmente inerte. Agora, se a distinção entre lógica e ontologia (ou semântica e metafísica) desaparece por algum truque (por exemplo, pelo artifício de rejeitar o primeiro dogma denunciado por Quine), não há mas porque manter certas conexões necessárias e não outras. Dito de outra forma: Quine dissolve Hume. Em que pé ficamos? Bem, mesmo Hume tinha uma ontologia modal. Talvez isso sugira que não possamos ter genuínas ontologias sem modalidade.
A doutrina do eterno retorno dissipa as identidades e postula um outro tipo de necessidade. Tenta dar ao devir o caráter que tinha o ser. Nenhuma necessidade? Talvez possamos fazer como os velhos megáricos mas desconfio que se podemos falar de futuro temos que falar de conexão necessária. Agora, podemos não fazer mais ontologia. Como, exatamente?

40 anos de ontologia em forma de pichação

JE PRENDS MES DÉSIRS POUR REALITÉ
CAR JE CROIS EN LA REALITÉ DE MES DÉSIRS
JE CRIE, J'ÉCRIS
SOUS LE PAVÉS, LA PLAGE

Então fiquei em Paris esperando que tudo se repetisse: ontologia e política misturadões, consulte 68. Achei que o eterno retorno tinha data marcada. Na praça da Sorbonne - depois que eu vi em 2006 a PUF pegando fogo - botaram uma botique e no meio da exposição de fotos dos velhos tempos um flic - aquele policial que mora entre o nosso hipotálamo e o nosso cerebelo - fora das nossas cabeças caçava um sans-papier. Bem, melhores mai virão. Este ano, houveram pelo menos dois: os maoistas tomando o poder em Kadmandu (e já botaram o rei meio serial killer pra correr) e o parto de Carme Chacón, primeira mulher ministra da defesa da Espanha, assumiu gravida e pariu.
Depois disso re-escrevi a última linha do prefácio do Excessos e Exceções (que vai sair pela Idéias e Letras) e disse: a filosofia não é sobre princípios, é sobre inícios.

miercuri, 14 mai 2008

Sobre o pathos guerreiro e o devir revolucionário (algumas questões)

O espanto era o pathos filosófico dos primeiros pensadores. Para Heidegger, isso quer dizer que, diante do fato das coisas serem assim, detemo-nos e retrocedemos ao mesmo tempo em que sentimo-nos fascinados e tomados pelo seu ser assim. É pelo espanto que o ser do ente se mostra aos filósofos gregos. Para o Leonel, como sugeriu na nossa última conversa, isso induz talvez a uma atitude meramente contemplativa e, agora penso eu, talvez por isso Aristóteles, por exemplo, pode separar a metafísica das filosofias práticas, e afirmá-la superior.

Mas para Heidegger, esse pathos filosófico se transforma na modernidade. Do espanto, com Descartes, o novo pathos passa a ser a certeza, pois a dúvida cartesiana é o acordo com a certeza. Nas palavras de Heidegger, “a disposição afetiva na confiança na absoluta certeza do conhecimento a cada momento acessível permanece o pathos e com isso a arké da filosofia moderna” (O que é isto – a filosofia?). Daí tiramos outras conseqüências: os entes tratados como objetos para sujeitos que os conhecem, entes que podem ser manipulados e reduzidos ao cálculo para garantir o conhecimento absoluto. Outras conseqüências: Leibniz e elaboração explícita do principio do fundamento magno e absoluto, Kant e o seu sujeito constitutivo, o iluminismo, o humanismo, a ciência, a técnica... Seja como for: agora falamos de objetos entre objetos, objetos que precisamos controlar.

Leonel agora nos sugere outro pathos, um pathos para o nosso tempo: o pathos do guerreiro que luta incessantemente contra o transcendental (como o Estado), problematizando e afirmando o polemos. O que se abre com esse novo pathos? As filosofias do múltiplo, da alteridade, da desconstrução? O pensamento fragmentário e fragmentado? O trânsito? As puras potências? Uma filosofia dos poderes?

O que é o pathos do guerreiro? É um devir revolucionário? (em “conversações”, Deleuze defende o devir revolucionário enquanto critica a revolução) Ou, nas palavras do Leonel, um “devir guerreiro”? Um devir guerreiro talvez não seja exatamente um devir revolucionário. Poderíamos explorar um pouco os encontros e desencontros entre o pathos guerreiro e devir revolucionário? Tenho a intuição que ambos, embora possam dialogar, não dizem exatamente a mesma coisa...

Do um e do multiplo

Talvez o problema ontológico aplicado a política, ou melhor, o problema em política dito ontologicamente possa ser expresso da seguinte maneira (à la Pierres Clastres): Por um lado temos sociedades com Estado onde a sociedade, o múltiplo, a diferença, etc estão submetidas a um princípio externo a suas próprias relações, princípio chamado de transcendental justamente por seu caráter extrínseco. O Estado surge de um mau encontro, de algo que "a natureza nega-se ter feito, e a lingua se recusa a nomear" (do texto de La Boétie "Discurso da Servidão Voluntária"), e se ergue fundado em alicerces metafísicos que o justifica e denuncia a estreita relação que a filosofia manteve com os poderes estabelecidos e os valores em curso. Por outro lado temos sociedades sem Estado onde o poder de decisão política pertence a própria sociedade, seu princípio de ordenação social é imanente, intrínseco as próprias relações, e isso não por acaso, ou por uma suposta infância ou minoridade desses povos que com o tempo invariavelmente acabariam por fundar eles também um Estado, a obra de Clastres é toda uma análise dos mecanismos que esses povos usavam para desarticular qualquer ascensão de um grupo que pretenda estabelecer um tal princípio transcendental. Ora, uma dessas estratégias é a manutenção da sociedade na guerra, é necessário que haja um pólemos a todo tempo instaurado que demande uma atividade guerreira constante e que nada seja posto acima, além ou aquém do pólemos ele mesmo.
Em nossa sociedade submetida ao Uno ordenador transcendental do Estado temos uma série de filósofos que não se deixaram cair no aparelho de captura do Estado e que combateram a imagem dogmática do pensamento, e o que nos dizem esses filósofos? De Spinoza a Nietzsche é sempre a mesma recusa de participar do jogo vil das pequenas concessões, é sempre uma mesma postura problematizadora que abre o pensamento para o problemático, que se mantem no pólemos. Através desses filósofos podemos encontrar a vocação guerreira escondida atrás de uma das máscaras do filósofo, pois o "guerreiro ama, antes de mais nada, a guerra" e no quanto sua tarefa é infinita dá-se sempre esse alisamento do espaço onde o pensamento encontra suas potencialidades nomádicas unido a grande multidão, as massa moleculares, os fluxos de multiplicidades que não param de escapar das codificações e sobrecodificações do aparelho de Estado.
Por fim gostaria de lembrar daquela idéia tão bonita presente na obra de Nietzsche chamada de "a grande saúde" uma tal que não apenas se tem, mas que constantemente se adquire e que se perde para reconquistá-la, sempre instaurando o pólemos, o problemático. Afinal não seria esse o pathos filosófico par excellence? ou ao menos, não seria esse o único pathos filosófico que ainda nos cabe, a nós filósofos tropicais?

miercuri, 7 mai 2008

Pergunta que quer ser vista (para tanto, meio fora de lugar)

Você acha que quando fala do vulto, do singular qualquer, Agamben trabalha com ou supõe essa distinção empírico/transcendental?

Ontologia imanente das potências - ou bedelho no bedelho será que a sinhá qué?

1. Como pensar um ontologia de potências que não envolva transcendência? Modalidades parecem, a primeira vista, evocar uma transcendência, um quebra-cabeça em que cada elemento pertence a um lugar em uma ordem (conexões necessárias... era o que Hume queria exorcizar). Parece que a terapia do mosaico sobre uma ontologia a deixa modalmente inerte. Eis então como uma distinção empírico/transcendental pode ajudar: as potências podem morar no transcendental, que é o locus da imanência, que é o que é lido, molecular etc. E o empírico é mosaico. Posto assim fica quase uma heideggerização da distinção kantiana em uma diferença. Teria eu caído no bueiro de precisar da diferença ontológica para alcançar a imanência?

2. Quando falamos de possibilia, ou de potências, podemos pensar logo em termos de faculdades e outras possibilidades - e a faculdade é a posse de uma privação. Portanto é posse - é pensar poderes em termos de propriedades, e não em termos de ofertas, de dádivas. A posse de uma privação evoca também a tal barba de Platão que Quine dizia que era a mais resistente a uma navalha de Ockham: tratar das propriedades do que não existe - pegasus, unicórnio ou eu dançar charleston enquanto estou sentado nesta cadeira ergométrica. Bem, não falemos de faculdades. Falemos apenas de potências flutuando no ar - de novo evocamos uma espécie de transcendental da experiência. É o que queremos?

Metendo o bedelho II (precipitado, impulsivo e quase arrependido...)


Tudo isso é muito genial, genial mesmo! Mas fico sempre com uma inquietação que não sei bem dizer qual é. Deve ser algo assim: resistir ao máximo para não fazer do singular um geral pensado. Cuidar para não trair o que queremos preservar. Quero um pensamento da resistência, um pensamento político, melhor ainda, uma política do pensamento! O transcendental me cheira à metafísica (entendida como aquela estrutura que subsume o particular), mesmo se imanente (não sei se encontramos transcendentais na vida...). Para Agamben (não entendi se ele defende “uma vida...” como um transcendental, mas pelo menos parece que Deleuze o faz), sem dúvida, esse não é o caso. Agamben, em uma brilhante crítica a Heidegger, disse que o solo da metafísica é a negatividade – o indizível, o inapreensível etc. É assim desde Platão e a sua idéia de Bem como um “além do ser”. Também o ser de Heidegger, que “não é”, seria a condição de possibilidade da metafísica (e não, como pretendeu o filósofo, a sua superação!): é o âmbito do negativo que exige a metafísica, pois é aquilo que escapa à ordem que acaba exigindo o acontecimento da ordem metafísica. Realmente brilhante!!Mas a metafísica se explica apenas por esse negativo? Basta deixar tudo às claras para não se ter mais metafísica? Nisso estou com Lévinas, para quem o pensamento da totalidade (que ele não chama de metafísica) é "qualquer" geral pensado que se impõe à alteridade e implica sempre violência.

Para mim, talvez (e um talvez muito trêmulo e vacilante), a saída seja não consentir mais nenhum transcendental e sem que, para isto, tenhamos que recorrer a uma ontologia humeana (quero o impossível?). Para evitar o transcendental, o singular (e porque, seja como for, falamos de “um singular” que de fato se dá, não estamos numa ontologia humeana) precisa ser desconstruído imediatamente enquanto se propõe, o que pode ser feito se o singular for igual a deslocamentos ou se o singular for potência que não vira ato, potência pura, como para Agamben. Mas potências puras não precisam ser lidas como “transcendentais”, mas podem ser lidas como “possibilidades” ou até mesmo “meras possibilidades” (que não são transcendentais): portanto, não mais “estruturas” (ainda que esvaziadas de metafísica ou absolutamente imanentes), mas “aberturas” possíveis que não constituem identidades (e isso eu aprendi com Heidegger). Voltamos a falar do inapreensível? Não conseguimos pegar? Caímos novamente na negatividade que conduz à metafísica? Talvez não, se o singular for pura exterioridade... (retorna o fantasma humeano?).

PS1: como “apontar” para um singular? Fazendo uma salada agambiana, gosto de algo um pouco mais minimalista como "um qualquer...". “Um qualquer” não é um transcendental, nem mesmo um transcendental empírico. Um qualquer é qualquer um.
PS 2: Será que filosofar é sempre pensar o transcendental? A filosofia dá conta do singular singularíssimo? Ou precisamos afirmar o seu limite e nos voltarmos para a poesia?
PS 3: Não concordo que haja transcendência em Heidegger, como defende Agamben. Na minha interpretação, Heidegger fez, justamente, uma ontologia da imanência (essa é a sua genialidade!) e pode jogar tranquilamente (guardadas as devidas proporções) no time de Deleuze (Deleuze, sem dúvida, é mais radical, pois supera o pensamento binário que permanece em Heidegger).
PS4: (não tenho esse texto de Agamben, “a imanência absoluta”. Procurei e o livro está esgotado... Depois você me consegue uma cópia? Quero entender melhor esse negócio de uma vida... que parece realmente fascinante! E de Deleuze, não é?)
PS5: Será que eu entendi alguma coisa? Ou fiz uma grande confusão? Oh, dúvida fatal! (alguém pode me salvar das irremediáveis e inevitáveis idas e vindas do pensamento e do existir? Sinto que fracassarei...) “E agora que fazer com essa manhã desabrochada a pássaros?” (como diria Manoel de Barros).
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luni, 5 mai 2008

Agamben, vida nua e uma vida...

Estive lendo o fantástico Imanência Absoluta de Agamben. Ali ele apresenta um esquema em que a transcendência vem de Kant e chega a Husserl, a imanência vem de Spinoza e chega a Nietzsche - depois, aparece um detour por Heidegger em ambas as linhagens e depois de Heidegger, aparece do lado da imanência Deleuze e Foucault e do lado da transcendência Derrida e Lévinas. Há um atalho direto entre Nietzsche de cima e Deleuze e Foucault de outro - o atalho sugere que a passagem por Heidegger é dispensável.
Agambem pensa, tentando fazer jus aos últimos textos de Foucault e Deleuze ('La vie: l'experience et la science' e 'L'immanence: une vie...'), que a filosofia que vem será em algum sentido novo uma filosofia da vida e que nela a relação da ontogia tanto com a epistemologia quanto com a política terão que ser colocadas de outra maneira. A vida aparece como pura possibilidade - como potência beatificada completa onde, de acordo com Spinoza, desejo e vida se tornam inseparáveis. Uma tal imanência absoluta não está na vida, mas antes em "uma vida..." que é o conceito que Deleuze cria para tratar da reação dos circundantes a agonia de Riderhood de Dickens: o interesse era por uma vida, a descrição indefinida que determina a singularidade, faz uma determinação transcendental (e portanto na imanência mesma já que a experiência é que constitui o campo transcendental de Deleuze). Ou seja, as pessoas estavam interessadas em uma vida, e não na vida do perverso Riderhood. A imanência é assim uma vida, nenhuma vida em particular, mas uma vida, considerada no singular indeterminada empiricamente (ou melhor, transcendentemente) mas determinada transcendentalmente.
Uma digressão: me interessa isso porque estou escrevendo um texto que se chama, por enquanto, 'a metafísica das descrições indefinidas'. Trata-se também da nossa velha questão acerca de se um... é uma melhor maneira de lidar com a singularidade do que um nome próprio (Russelliano) ou uma descrição definida precedida de um operador de designador rígido. É uma querela Russell vs Deleuze acerca de que termos melhor apontam para a singularidade. E aqui Deleuze diz que o um..., o uma... evoca o campo transcendental, ou seja, aquilo que é indeterminado na ordem das descrições (que chamei acima de ordem transcendente) mas que determinam um componente de um campo imanente - para ele o que é imanente é transcendental, a experiência é transcendental - determina as condições de possibilidade. É o tal empirismo transcendental que parece um monstrengo a primeira vista. Isso me interessa por outro motivo: venho tentando bolar uma teoria da experiência que a coloque não na ordo cognoscendi, mas na ordo essendi - ou seja, que a apresente como parte do mundo e não como parte dos recursos para termos acesso ao mundo. O tal empirismo transcendental entende a experiência como transcendental, e não metafísico - e já embanana lindamente esta distinção que faz sentido em Kant... A manobra é cativante.
Fim da digressão. Mas agora podemos pensar que a uma vida... está muito próxima da vida nua ou da vida nutiritiva de Aristoteles ou da vida vegetativa dos médicos. Agamben faz duas distinções interessantes entre elas: primeiro, a uma vida... não tem dono, não é propriedade, proprietária - é como se fosse uma pura potência, pura possibilia. A vida nua é de alguém, não é pura imediatez como Deleuze e Guattari insinuaram uma vez. A outra distinção: em uma vida... não podemos falar de distinçoes entre vida vegetativa/bios etc. Ou seja, em uma vida... não há conceitos ou ordem - apenas imanência em estado absoluto.
Esta vida é que tem que ser pensada sempre como sendo o objeto do poder - biopolítica significa o poder preda a imanência; a transforma em vida nua. Aqui o transcendental, aqui o poder, aqui a metafísica: o mobiliário imanente do universo. Poderes, reatividade, o estriado - e a imanação de uma vida...

Para quem quiser mais sobre mosaicos e pensa que já Lucrécio era um bravo Humeano, pús um Lucrécio no bucalumbrello.blogspot.com

joi, 1 mai 2008

Ao serialismo e ao coral de primadonnas (em homenagem nada póstuma)

( por e.e.cummings)


“Ó doce espontânea
terra quantas vezes
os
pontudos

dedos de
libidinosos filósofos te
beliscaram

e remexeram
, o perverso dedão
da ciência cutucou
tua

beleza .quantas
vezes as religiões te
tomaram sob joelhos esqueléticos
espremendo e

batendo tanto que tiveste que conceber
deuses
(mas
vera
ao incomparável
leito do ceifeiro teu
rítmico
amante

respondeste

a eles apenas com a

primavera)”

Política, ontologia e serialismo (com nostalgias)


Gente, esta semana fizemos duas apresentaçoes de lufadas differanssóides - ou seja que já nasceram cabendo cativamente no blog dos prolegômenos. Primeiro queríamos (eu e manolín) comparar a política vista desde sua vinculação com a epistemologia (explorada em variantes humeana, quineana, hegeliana, wittgensteiniana e foucaudiana) e desde sua vinculação com a ontologia. Era o congresso dos jovens filósofos espanhóis e enfiamos neles uns quantos slides esperando que eles concluíssem que seus olhos valiam muito. Os slides estão aqui:

www.unb.br/ih/fil/hilanb/polfil.ppt

Ontem, no mesmo congresso, fizemos o experimento, diante de 100 pessoas, de reviver e reconsiderar os áureos tempos do serialismo filosófico. Certo, fizemos nossos próprios exercícios (em um deles, pedíamos a audiência uma série de perguntas e a série ficou mais ou menos assim: o que é um juízo?, que cheiro tem as núvens? tem carne no hamburger do McDo? que buceta são juízos sintéticos a priori? (tradução literal de "qué coño son juicios sinteticos a priori?"), precisamos do termo "buceta" na pergunta anterior?). Desta vez fomos mais otimistas e estivemos no espírito de um poeminha que escrevi outro dia:
frua, flua, tua dobra
tu fazes um rasgo no mundo

sozinho, ele flutua

não permita que a experiência se conclua

E não permitimos que a experiência se conclua. Introduzimos também a idéia de noise filosófico, como a tentativa de terminar com o gargalo que separa pensamentos relevantes dos irrelevantes. A discussão foi acompanhada de performance de Fabi: livros e livros afogados em vinho e depois pendurados em um varal no auditório da sessão de encerramento do congresso.

Já mais que em tempo, coloquei na rede nosso dossiê sobre o serialismo filosófico:

www.unb.br/ih/fil/hilanb/serialismo.doc

(desculpem pelo .doc, tempos mais livres virão)

Achei que tudo isso era prolegômeno. É que parece que o polemos das árvores com suas partes empurram as coisas das potências para outras potências que parecem atos, mas potência não vira ato - no máximo vira mato. Ah, a imagem ficou lá em cima...