marți, 16 decembrie 2008

Os fragmentos impávidos de Heráclito I

Nem só de 126 fragmentos vive nossa memória de Heráclito. O homem fragmentou muito mais, ainda que a harmonia visível daqueles primeiros 126 pedaços pareça superior a qualquer harmonia invisível de fragmentos perdidos pelas gavetas de filósofos cheios de segredos. É que
Heráclito não quis mais saber de Efesos depois que a cidade expulsou Hermodoro. Aproveitou e seguiu o melhor homem - que nunca havia entrado no mesmo mar duas vezes - para o norte e chegaram a Assos de onde contemplavam Lesbos, a ilha de Sapho trêmula onde deitaram em umas ondas ofegantes. Ali, naquela praia cheia de turcos e espreguiçadeiras e onde começaram a esfregar physis e nous, Heráclito largou mais fragmentos, muitos mais, 126 mais.
Ele os enviou por uma turista para um lugar longe da água. Ela lhe sussurrou que iria para o cerrado ao redor de Brasília e iria guardá-lo em uma casa em cima de uma árvore. Com as escavações arqueológicas promovidas pela tentativa de construir o setor noroeste da cidade, os tais fragmentos foram encontrados. O Instituto de Patrimônio Heraclítico assegurou que o texto é completamente espúrio, que não tem valor arqueológico algum - seria uma mera invenção de uns poucos intérpretes de Heráclito que nem sequer formam uma tribo. Vejam vocês:

127. Nem só de esconder-se brinca a natureza. Também sopra balões, reune-se em rodinhas de briga de galo, come chocolates e procura recantos secretos para deitar-se com o logos. Diz-me muito mal das tais leis que ultimamente todos lhe atribuem: diz que elas estão cheias de casuísmos e foram outorgadas por alguém que nunca sentiu o ar aquecido pelas patas das joaninhas que andarilham nos fins de primavera. São leis que ninguém consegue cumprir. Lei, como eu disse no já meu fragmento 33 de saudosa memória, é persuadir-se a vontade de um só. A natureza gosta de espalhar as vontades, de contrapor as forças, de ver o que acontece à ordem quando ela é posta em uma campo de refugiados. Li um fragmento contemporâneo que diz que a natureza gosta de reembaralhar as perguntas, para que ninguém lhe responda de uma vez por todas. Ela não faz nada de uma vez por todas - gosta de refazer, e de burilar, de retocar e de por tudo a perder refazendo todos os entes com areia molhada e os dispondo na beira do mar.

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