marți, 17 februarie 2009

fragmentos de 117 a 207

(renumerei alguns últimos fragmentos e intervi em dois fragmentos da lus, eu acho, o 193 e o 197 - eita, talvez tenha deixado os dois borrados)

117. Quando alguém se embriaga, cambaleia e é conduzido por uma criança pequena pelo seu caminho sem saber que aquele é seu caminho – assim porta uma alma úmida (cheia de descuidados frutíferos).

118. Mas a alma seca retorna, dura, se enche de sabedoria e fica parecendo melhor.

119. A personalidade é para o homem seu demônio.

120. Não há limite entre o amanhecer e a noite senão o Urso e, oposto ao Urso, seu guardião.

121. Os Efésios adultos deveriam se enforcar e deixar a cidade para as crianças [que sabem que que ninguém é igual a ninguém] uma vez que eles expulsoaram Hermodoro, que era o melhor dentre eles dizendo “Não haverá melhores entre nós; se houver que eles saiam e estejam entre outros”.

122. Aproximas

123. Natureza é que ama esconder-se.

124 O mais belo universo é um derramamento de varridas ao acaso.

125 Até aveia se separa se não for mexido, agitado. E, Efésios, que vocês fiquem sendo ricos para que seja exibida a sua ruindade.

126 Coisas frias esquentam, o que é quente esfria; o que é molhado seca e o que é úmido estorrica.

Nem só de 126 fragmentos vive nossa memória de Heráclito. O homem fragmentou muito mais, ainda que a harmonia visível daqueles primeiros 126 pedaços pareça superior a qualquer harmonia invisível de fragmentos perdidos pelas gavetas de filósofos cheios de segredos. É que Heráclito não quis mais saber de Efesos depois que a cidade expulsou Hermodoro. Aproveitou e seguiu o melhor homem - que nunca havia entrado no mesmo mar duas vezes - para o norte e chegaram a Assos de onde contemplavam Lesbos, a ilha de Sapho trêmula onde deitaram em umas ondas ofegantes. Ali, naquela praia sempre cheia de turcos e espreguiçadeiras e onde começaram a esfregar physis e nous, Heráclito começou a largar mais fragmentos. Houve um dia em que ele encontrou uma turista remota e enviou seus alfarrábios para um lugar seco que umedece. Ela lhe prometeu que iria para o cerrado ao redor de Brasília, guardá-los em uma casa em cima de uma árvore. Com as escavações arqueológicas promovidas pela tentativa de construir o setor noroeste da cidade, os fragmentos foram encontrados. O Instituto de Patrimônio Heraclítico assegurou que o texto é completamente espúrio, que não tem valor arqueológico algum - seria uma mera invenção de uns poucos intérpretes de Heráclito que nem sequer formam uma tribo. Vejam vocês:


127. Nem só de esconder-se brinca a natureza. Também sopra balões, reune-se em rodinhas de briga de galo, come chocolates e procura recantos secretos para deitar-se com o logos. Diz-me muito mal das tais leis que ultimamente todos lhe atribuem: diz que elas estão cheias de casuísmos e foram outorgadas por alguém que nunca sentiu o ar aquecido pelas patas das joaninhas que andarilham nos fins de primavera. São leis que ninguém consegue cumprir. Lei, como eu disse no já meu fragmento 33 de saudosa memória, é persuadir-se a vontade de um só. A natureza gosta de espalhar as vontades, de contrapor as forças, de ver o que acontece à ordem quando ela é posta em um campo de refugiados. Li um fragmento contemporâneo que diz que a natureza gosta de re-embaralhar as perguntas, para que ninguém lhe responda de uma vez por todas. Ela não faz nada de uma vez por todas - gosta de refazer, e de burilar, de retocar e de por tudo a perder refazendo todos os entes com areia molhada e os dispondo na beira do mar.

Alguns aforismos que se seguem testemunham a influência de filósofos de Crátilo a Deleuze sobre Heráclito. Heráclito começou peregrinando pela Jônia:

128. Em verdade, não deixamos de entrar duas vezes no mesmo rio como anteriormente afirmei (frg.91), mas não entramos sequer uma única vez. As águas nunca são as mesmas. Crátilo viu bem que uma vez já é vez demais. Aquilo que permanece fixo, é mundo embalsamado – sem o risco do político não há o que fique na natureza. Crátilo dizia que a água que chega a planta do pé não é a mesma que chega ao calcanhar. E nem sequer a água que molha a planta do pé é a mesma. Nem a mesma gota, nem o mesmo pingo. Nem a mesma enxurrada.

Heráclito, depois da Jônia, parece que esteve mesmo em Agrigento, no coração da que é eleata, e andou pelos rochedos perto do mar respirando e inspirando Empédocles. Sobraram uns fragmentos:

129. De tudo decorrem emanações. Cabelos emanam, folhas emanam. Empédocles já foi planta e pássaro, moço e moça, pois sabia que nada cauteriza o polemos. Nem se controla o explendor das vinganças subreptícias substituindo florestas por jardins. A discórdia não pára nem com liminar da justiça.

130. De todas as partes pode provir o rompimento, tudo pode irromper; as conspirações são os sopros e as respirações das coisas. As unidades se quebram, mas nem é que no limite da quebradeira encontramos algum constituinte atômico: é feito de fugas o que há. Cada parte, desde o mais miúdo até às constelações amontoadas, carrega a potência do rompimento. [...] E nem sequer é o polemos alguma matéria-prima, qualquer matéria pode trair seu estatuto de prima.

Há trechos na grande peregrinação de Heráclito em direção a um ocidente ao ocidente do ocidente que nunca foram desenhadas em um itinerário. Por onde teria andado aquele Obscuro quando a Europa se enchia de artimanhas para confinar o polemos nos confessionários? Dos muitos volumes sobre a natureza, como de hábito, sobraram apenas uns poucos fragmentos.

131. Tudo depende do polemos, até a surpresa diante dele, a tentação por ele e o conhecimento dele.

133. Logos é polemos; diz Heidegger (Intro a Metafísica, 2, 1) que são mesmo o mesmo. Logos, entendido como Heidegger quer, é o que depõe, não é o que nega e nem o que instaura, mas o que des-põe, o que é o déspota – é assim que ele me entende quando digo que o polemos "cria alguns como escravos, outros como mestres" (fragmento 53).

Mas parece que Heráclito aprendeu com Crátilo a desacreditar na comunicação através das línguas e lia cada tradução como se fosse um novo texto.


134. A tradução brasileira da interpretação de Heidegger do meu fragmento 53 (Introdução à Metafísica, p.89) possibilita uma intuição fecunda acerca do polemos. Parece-me um dos raros casos em que a tradução supera o autor. Para esta tradução brasileira, a palavra alemã Auseinandersetzung, usada por Heidegger para traduzir polemos para a língua alemã, é lida, no contexto da reflexão heideggeriana, como “dis-posição”. Atenção a esta palavrinha aparentemente inocente. A partir dela, o polemos deixa de representar o conflito binário entre opostos e começa a dizer-se como algo que desfaz uma posição, que des-loca. O polemos, assim, pode assumir múltiplas possibilidades antes impensadas, como uma rede de possibilia emaranhadas e distintas que se esbarram e se abandonam freneticamente. O polemos, assim compreendido, não exige mais inimigos, mas apenas e tão somente anuncia contínuos des-locamentos.

135. O polemos é o principio pelo qual a dis-posiçao hierárquica dos esbarroes em seu grau de intensidade se dá e por isso o princípio produtor daquilo que se mostra como ser.

Heráclito também passou por grandes cidades e atravessou grandes montanhas. Preferia se mover devagar, parece que aprendeu um pouco da paciência eleata.

136. Os “pequenos deslocamentos” chegaram até mim por meio de Agamben (La communitá che viene, pp.45-47). O filósofo cita Bloch: "Tutto sarà com'é ora, solo un po' diverso." Para que venha o Novo Reino, defende o filósofo italiano, basta que ocorram pequenos deslocamentos. Ora, mas o que são estes pequenos des-locamentos senão dis-posições polêmicas?


137. Apesar da tradução brasileira de Auseinandersetzung (polemos) como dis-posição, verdade seja dita: Heidegger terminou por submeter esta dis-posição à relação ente-ser e, assim, sua fecunda intuição (ou intuição da tradução brasileira?) sucumbiu ao binarismo. Vemos, então, o embate violento entre ente e ser em Introdução à metafísica, que se transforma, na Origem da Obra de Arte, no embate terra-mundo. Mas o polemos é outra coisa. Como afirmou certa feita Deleuze (sem, propriamente, referir-se ao polemos), “não se trata de resolver tensões no idêntico, mas de distribuir disparates numa multiplicidade” (Diferença e Repetição, p. 86). O mesmo digo eu do polemos.

138. O mais forte, eu gostava de dizer, ganha não pela lei do mais forte, mas porque é o mais forte - e se pendurar nos valores estabelecidos (ao invés de depô-los, de dispô-los e de tratá-los como um déspota trataria) como fazem os poderosos da vez, enfraquece, pára o polemos; conta que vai ficar posto o que alguém já pôs (Ständigkeit). As forças estão no polemos - a fraqueza na nossa separação dele.

139. Logocentrismo vs polemocentrismo: o polemos não tem centro - talvez o logos de Heidegger também não tenha. Mas há um tema de pós-humanismo aqui: no começo era o polemos não é no começo era o logos a não ser que o logos esteja por toda parte. Confinar a política aos domínios onde a natureza se cala - e pensar com a fronteira entre o que é natural e o que não é (ou o que já não é) - é separar a physis do logos, e a physis do polemos. Talvez tenha melhor resultado a seguinte performance: declaro que o polemos é logos e que é physis. E calar quanto a transitividade.


140. O déspota não é um sujeito - o polemos é o escombro do Gott ist Töt; o polemos é o Gottdammerung. No polemos não há o próprio; o próprio é o que está livre do assalto do mundo, o que está escondido na caverninha íntima das coisas e polemos é sempre Wesendammerung. Assim as disposições - as disposições são a marca do impróprio em nós. O polemos é déspota que sempre des-põe, que nunca se transforma de forte em poderoso. O polemos é o impacto das possibilia sobre nós: nós pomos (identificamos, individuamos, especificamos, tipificamos, registramos) e o polemos dispõe.


141. A substituição da physis que é polemos por um domínio de leis (a natureza que deixou de ser forte para ser poderosa, para ser guardiã das necessidades caprichosas que são as leis da natureza - que passou a ser governante e não mais déspota) empurrou para longe as disposições soltas, a physis foi colonizada de ordem e progresso - o polemos foi empurrado na vala comum do acaso.

142. O polemos é o que torna as coisas prenhes. Todas as coisas tem seu nascimento e fazem nascer; a falsificação que as maiorias fazem é dizer que as coisas desaparecem – inventam um deus da escassez. Já a abundância é que faz a queda de braço entre todas as coisas.

143. Heidegger diz que a percepção é o acontecimento que toma conta dos homens. A percepção é incorporação, é conta sendo tomada – pelos olhos, pelas ventas, pelas antenas, pelas areias. Tudo toma conta de tudo. [...] vento, fogo e poeira – tudo invade tudo.

144. Os homens, para alcançarem o logos deveriam tornar-se like rolling stones.

145. O polemos, a partir da sua original leitura como dis-posição, define uma micropolítica dos des-locamentos. O modo de ser das coisas não é algo dado, uma substância, um ser, mas dis-posições polêmicas que, em seus pequenos e constantes des-locamentos, tecem a sua micropolítica. Wesendammerung?


146. Muito depende de como compreendemos o “mesmo”. O mesmo não é a identidade do idêntico, mas o acontecimento da diferença, assim como bem entendeu Deleuze (Diferença e Repetição, p.92) ou como eu mesmo outrora, de certa forma, sustentei (frgs. 8 e 10).

147. Então, pergunto a Deleuze: como pensar a política antes da ontologia?


148. As Políticas (ou macropolíticas) nascem das referências que inventamos. Porém, a Política, enquanto se afirma referência, precisa se opor ao modo de ser polêmico das coisas. A Política nada mais é do que o esquecimento do polemos. Que as Políticas sejam superadas pelos pequenos des-locamentos, essa é a nossa micropolítica. Uma política minimalista do trânsito das ontologias. Uma micropolítica do polemos.


149. Recordando o que dizia, “eu me procurei a mim próprio” (frg.101). Porém, depois descobri, não sem surpresa, que eu era sempre outro de mim e que o “próprio” não passava de uma dança de devires. Demorei a entender porque ainda não havia encontrado Deleuze naquela bela tarde entre amigos.

150. [...] em mim incorporam os filósofos que não põem garras nas coisas [...]

151. Esterco contém a água – mas cada coisa, como eu disse (fr. 16), não pode escapar do que não se põe se bem que possa dispor de tudo. Aquilo que se põe se depõe – talvez esteja aí uma diferença ontológica. Mas do que não podemos escapar?


152. Os pequenos des-locamentos não são antíteses de teses. Não submetemos o polemos à identidade.


153. A rarefação enfraquece a referência.


154. Polemos, e não philia. Este é o acontecimento das coisas.

156. Nunca compreendi porque traduzem physis por “natureza”(embora eu mesmo, um tanto confuso, tenha assumido essa interpretação uma ou outra vez). A partir de tal interpretação, o meu fragmento 123 é comumente lido assim: ”a natureza ama esconder-se”. Mas como poderia a natureza esconder-se? – pergunto atônito. A natureza está aí, e a ciência a incomoda constantemente com os seus dedos curiosos e impertinentes. Physis é bem outra coisa. Gosto particularmente daquela sugestão de Heidegger – “vigor imperante”. Em uma leitura livre, diria que a physis não é a coisa, mas o vigor: o florescer da rosa, o cantar de todo o canto, o dar-se de todo ser. Somente a physis, assim compreendida, pode ocultar-se! Quem já deteve o vigor que emerge? Apreende-se, sem dúvida, uma rosa, mas não o seu florescimento.



157. Porque a physis é o vigor (e não propriamente a coisa), posso dizer que physis e polemos são o mesmo. É que a physis não é suave linha que desenha e define, mas turbilhão que dissemina e arrebata. Physis é inauguração e ruptura. Como a explosão de uma fonte do íntimo da terra úmida.


158. Costumam atribuir a mim a palavra grega philósophos que remeteria àquele que ama o sophón. Daí muita coisa mais se disse, como: “o elemento específico de philein do amor, pensado por Heráclito, é a harmonia que se revela na recíproca integração de dois seres, nos laços que os unem originariamente numa disponibilidade de um para com o outro”. (Heidegger, O que é isto- a filosofia?, p.32) Mas é preciso compreender bem, pois eu defenderia que a dis-ponibilidade nada mais é senão o embate do polemos . Humano e sophón se amam enquanto se entranham e se desentranham. Somente no conflito, o amor. O amor que des-faz e des-loca. O amor que é diálogo do estranhamento fascinado.

159. Mas como entender a micropolítica do polemos? Como pequenos des-locamentos, já afirmei certa vez. E o que são, afinal, esses ditos des-locamentos? – poderia alguém curioso ou confuso perguntar. Nada além de “desejos” – respondo eu. Ou talvez, para usar uma delicada expressão de Empédocles da qual gosto muito, “amor envolvente” (o que envolve não é o que absorve e acomoda, mas o que abre e amplia, o que dis-põe, como a brisa do mar que invade as narinas ou o sal das águas que arde na pele depois do enfrentamento das ondas. Falo do amor dos que não dormem).


160. Desejo e polemos são um.

161. Certa vez asseverei: “O asno prefere o feno ao ouro”. Não sei se me entenderam, de forma que hoje quero dizer, dessa vez de forma cômica: “O homem prefere o ouro ao feno!”

162. O sol enquanto luz obscurece, pois revela em excesso (...) somente o raio enquanto clarão das trevas ofusca e cega o bastante para iluminar e dispor.

163. Somente os que se escondem bem podem se poupar dos aborrecimentos da lei (...) mesmo a natureza busca se esconder das leis que lhe são atribuídas.

164. A virtude é para um homem o seu demônio.

165. O conflito envolve todas as coisas na problematização na mesma medida em que faz-se escutar enquanto lógos e se roçar enquanto natureza.

166. As crianças são as mais espertas ainda que tratadas como retardadas, enquanto os homens são os mais retardados ainda que tratados como os mais espertos.

167. O demoníaco é para o homem uma virtude.

168. Physis não começa – apenas acelera de vez em quando e em alguns lugares. [...] explosões, demiurgos esculpem em diferenças de velocidade, não precisam de começos, precisam de meandros.

169. Ouvi muitos falarem de idealismos, de realismos. (Parece que as pessoas inventaram alguma coisa e nela colocaram seus pensamentos e deles retiraram toda natureza. Depois se perguntam se não é apenas uma criação dos pensamentos a natureza.) Ambos existem por toda parte. Para a lua, as marés são não mais que sua criação. As coisas fixas ficam fixas para quem se move mais rápido. Todas as coisas são criadoras de realidades. E todas encontram algumas outras prontas: não, nunca prontas, apenas suficientemente estagnadas. Tais disputas são o que aprendemos se tratar de uma espécie de efeito Doppler metafísico. As coisas se passam, mas apenas se estamos parados diante delas.

7uem, e com velocidades diferentes. Coisas fixas são fluxos lentos, coisas móveis são fluxos rápidos. É feito de diferença de velocidade o [contraste entre o] chão que pisamos e fincamos certezas e o vento que espalha tudo. De diferença de velocidade é feito o que produz em nós nossos corpos e o que produz em nós nossos pensamentos.

171. [...] como aquilo que ouvimos, aquilo que vemos, cheiramos, sentimos com a pele só aparece com o auxílio do que lhe faz as fronteiras se conectam por todos os lados – não há conexão que seja fixa, todas as cercanias de uma determinação com ela interagem e todas elas se animam por meio dela. Se pensássemos na mesma velocidade daquilo que pensamos já não distinguimos nada. Apenas porque as possibilidades têm como alvo tipos fixos de coisas é que vivemos entre circunstâncias fixas.

172. Vemos coisas fixas por onde [porque] se derramam possibilidades.

173. A physis é a educação das pessoas e é a força que elas herdam de seu povo. É ela que faz o novo fazendo de novo.

O fragmento seguinte é bastante suspeito – foi preservado em várias bocas repetidas vezes pelo litoral potiguar. Mas é claro que Heráclito nunca passou por ali e que as pessoas querem dizer, com o controvertido fragmento 184, alguma coisa que não tem nada a ver com o polemos:

174. [...] é luta, irmão.

175. Os corpos são palcos de muitas lutas em que ao governo central cabe apenas acomodar as forças suaves e lentas aos impactos rápidos e bruscos. Governar é compor, e compor desde dentro – e compor não é dar ordens. Assim como os governos, nosso controle sobre nós está sujeito a insurreições, ingovernabilidade, rebeliões e golpes de estado.

176. O rio está sempre correndo; tédio de quem não entra no rio e apenas o segue com os olhos, como se ele fosse apenas uma massa de água que carrega as bordas com ela.

177. Há em cada jaula onde pomos coisas prontas uma rota de fuga. Do polemos não se foge porque ele já é a fuga – ele é o injaulável, é o que não cabe em si. O polemos não está presente, ele é onipotente apenas porque brota do que está oniausente.

178. Não há um princípio fundamental na physis. Sempre estive convencido de que a arché não é mais do que o que vemos porque há diferenças de velocidade (uma impressão causada pelo que chamei de efeito Doppler metafísico – fr. 169). O polemos, por outro lado, é nada mais do que uma an-arché.

179. Colocamos cercas, grades e guaritas por toda parte, mas tais coisas estão infectadas de physis e a physis infectada de polemos. Uma flor nasceu na rua. Quanto tempo demorarão as pessoas a atinarem que todas as coisas estão contaminadas de todas as outras?

180. Physis não se reconhece na natureza; logos não se reconhece na lógica. Arrancar a lógica da natureza só é possível quando pensamos fora dela e o logos não conhece exílio. Não há exílios para o pensamento a não ser aqueles que ele se impõe. [...] já que o polemos é a parteira de todos os lados, de todos os pólos, de todos os exílios, de todas as diásporas. Nenhum deles é fixo, como eu já disse (fr. 155). O que é fixo escorrega como o que é úmido estorrica, o que eu também já disse (fr. 126) Ficamos querendo por alguma coisa a salvo – nossa lógica, nossos princípios, nossas almas. O exílio é uma estratégia para retira alguma coisa para longe do campo de batalha; alguma coisa que é feita sagrada, para além das cotoveladas da physis. Apenas em relação a alguma coisa mais lenta é que podemos ver o campo de batalha desde fora, mas também a torre de observação está em disputa na batalha. [...] que o que veio do polemos ao polemos retornará. Todo artefato de polemos está repleto de artimanhas.

181. Mexer os olhos é uma maneira de mudar uma planta de lugar. Mudar uma planta de lugar é uma maneira de mexer os olhos. Porque olhos e plantas, como corpos e pensamentos, são soldados rasos em uma guerra em que todo general tem mandato provisório.

182. O polemos é espalhamento. É o que ansiava dizer quando certa vez afirmei: “a mais bela harmonia cósmica é semelhante a um monte de coisas atiradas” (frg.124). Não sei se me entendem. Polemos são coisas atiradas.


183. O fogo polemiza singularidades despóticas.

184.[...] singularidades são bolhas de sabão. Bolhas vindas do fogo? Sim, exatamente isso.

185. As velocidades deixam cada coisa no seu lugar tirando cada coisa do seu lugar.

186. Ah, as velocidades despóticas!


187. Des-locamentos são o acontecimento do ser. Mas não há nada que parta ou que fique ou ainda que de algum modo retorne. Há apenas um emaranhado de intensidades em transe [velocidades].


188. Alguém já se deu conta das velocidades de um corpo? O corpo queima, arrepia, arde, cheira, molha, sua, treme...


189. Corpo e pensamento são um.



190. Singularidades são o oco [do que há]. Um oco que flui, como um rio de vento.

191. O vento espalha o fogo, desfaz o fogo, refaz o fogo, leva o fogo daqui para depois. O fogo, por sua vez, resiste, desfaz-se, finge não estar mais e retorna surpreendentemente. O fogo está para o vento como o polemos está para a singularidade (e vice-versa). Fogo e vento são um?


192. [...] varridas derramadas ao acaso: um turbilhão de velocidades polêmicas.

193. Certa feita um amigo me despertou de um sono profundo: “repara bem, Heráclito” – disse ele – “o barulho do rio depende de você [dentro dele] resistir com a sua prepotência ereta. Mas experimente o seguinte: deite-se em suas águas turvas. Tire os seus pés do chão e, então, à deriva, entregue-se ao transe dos que flutuam. Enfim deixe-se levar pelo seu fluxo incerto sem qualquer receio que sugira algum ponto de resistência ainda que discreta. E agora? Há algum som?” Deitamos no rio veloz e nos deixamos levar até as águas paradas perto das montanhas. O rio escorria em silêncio. Outras pessoas vieram ter conosco entre os que flutuam porque o rio cruzava com muitos outros que corriam em outras velocidades. Flutuávamos e nos chamávamos para mais perto: “vem aqui, bem ali”. (comparar com fragmento 185)


194. O corpo ereto e o fluxo do rio são diferenças de velocidades. [...] então descobri, atônito, que os acontecimentos (como o som de um rio) nada mais são do que o embate entre velocidades distintas.


195. Dis-posições são velocidades que diferem.


196. [...] das diferenças, as coisas (por sua vez, sempre diferentes também para si mesmas).

197. Com que alegria pude, enfim, encontrar [...] falando com filósofos, alcoólatras, [...] e antropólogos desconfiados de si. Ele bem entendeu que a diferença não precisa ser um âmbito negativo que se opõe a uma identidade. As coisas são o acontecimento das diferenças. Diferenças que não são arché - quem pode deter a diferença sem corrompê-la?


198. An-arché: não-princípio, mas também não-negação-do-princípio. Um “entre”: ponte sem margens. Há muitos princípios – mas também eles se encontram no mesmo plano. O polemos pare começos. Desde que há armas de fogo por toda parte, quem pertence à humanidade sente que possui uma dignidade de quem impera sobre o mundo – distribui ordem, cerimônia e compaixão. Nenhum império dura porque há sempre outros começos. Não vivemos à sombra de uma arché que, como um relojoeiro perfeito, fez um princípio para acabar com todos os outros princípios – estamos em disputa. Os vermes, os vírus, as baratas e os ratos não se renderam diante da proclamação de vitória humana sobre a animália. Também nossos lapsos, nossos gestos miúdos, os arrabaldes do pensamento ainda resistem ao princípio de humanização do mundo que impomos desde o princípio a quem nasce gente.

199. Escuto falar bastante da natureza como um baú de coisas prontas – como se a ecologia tivesse expulsado a physis. O discurso ecológico é também um discurso imperial – proteger as baleias, e nós decidimos quantas? (Quantos lobos devem continuar existindo? E quantos micos? Quantos pandas? Mas quantos ratos? Quantas baratas? E quais?). A ordem ecológica é uma ordem imperial – em nome de um equilíbrio archétípico. Uma ordem imperial, e não um mandato despótico. Muitas partes do que tanto se chama de natureza des-põe o equilíbrio ecológico. Ao invés da physis, a oikos – a casa que precisa estar arrumada, a casa que tem uma maneira de estar arrumada, que foi feita para estar arrumada. Uma oikos logia, uma oikos nomia: haverá uma mão invisível pairando acima de todas as coisas, capaz de criar, de balancear, de regular tudo. Nós apenas podemos dar uma mãozinha a essa mão de ferro invisível. Em um império ecológico podemos nos sentar ao lado da natureza, transmitir suas leis e atuar assim como um vizir. Entabulamos uma ordem secreta superior e, como os sacerdotes, temos um selo de aprovação dos céus. [...]

200. [...] Nada fica.

201. Algumas coisas fincam outras para poderem passar. A impressão de que as coisas ficam em algum posto é descendente da impressão de que as coisas turbulentas surgiram de águas estagnadas. Temos que nos esforçar para aquietar as turbulências. Nem há um andar de cima em que tudo fica subserviente seguindo ordens; não há um grande plano acima dos acontecimentos esbarrados. Um rato podia ter comido um outro pedaço de queijo, mas esbarrou na ratoeira e ficou enjaulado. Perdeu – mas seus vermes ainda continuam na batalha dos operários das ruínas. Eles também roem e também fazem parte da disputa.

202. Caçamos os animais, mas não os vermes dentro deles – nunca comemos do mesmo prato duas vezes. Há pó, mas dentro do pó há distúrbios e conclamações. Só pode haver um tipo de átomos: capacidades de responder ao polemos com mais polemos. Me disseram que eu vou retornar ao pó, eu perguntei: que pó?

203. Deixando em algum lado nossa vontade de lutar, nem podemos pensar que as bactérias e os vírus detratores dos nossos corpos valem mais mortos que vivos. Eles conspiram, nós conspiramos. Nós espiamos, eles expiam. Travamos uma batalha com um exército que se move em outra velocidade; contra-ataca, mas por vezes anos mais tarde e por apenas um segundo. Erramos na mira porque só podemos nos fixar em quem tem uma velocidade mais ou menos como a nossa. Muitas vezes importa apenas que o exército fique entrincheirado por tempo suficiente. Nem há um só exército – o polemos é travado por mercenários, desertores, iluminados.

204. Para nós, para nós, do nosso ponto de vista. Assim me dizem muitas vezes hoje em dia. E digo: as coisas também permitem que sejam vistas assim. Mas muitas pessoas se preocupam em como são as coisas, querendo se preocupar em como as veriam se pudessem ver não sei de onde. Não se preocupam em como as coisas permitem que sejam vistas. Se estamos em um exercício de voyerismo das coisas (mesmas), como parece que tanta gente anda pensando, essas coisas também agem decidindo o que permitem que seja visto. Elas estão em uma sala de onde as vemos, mas elas estão fazendo um peep-show. Elas decidem como as vemos – e vão para casa depois do horário de trabalho.

205. An-arché: não há destino, mas há destinos. Melhor seria pensar nas coisas como emaranhadas em muitas tramas que se enlaçam, uma deságua na outra – um delta de histórias que se misturam, se espelham e se confundem. Como descer um rio inteiro sem fazer barulho (fr. 193), quando não resistimos nossas histórias perdem sua pureza, largam seu destino. Mas não largam totalmente porque confundir-se com alguma coisa não é submeter-se a ela. Quando damos nomes a nós mesmos (como empregado explorado, puta da esquina, velho fanfarrão, esposa exemplar, mãe de três rapazes) gravamos nosso destino em bronze e fazemos barulho no rio quando nos arrastam para longe dele. É que muitas vezes nos confortamos com termos um destino; não queremos outros. Trancamos as portas, as janelas e só respiramos o nosso próprio ar. E o polemos não pode ser prendido, apreendido, compreendido, repreendido. Nem podemos surpreendê-lo deixando-o ao relento do lado de fora do nosso confortável destino. Ele invade o cafofo.

206. Ter destinos não é ainda projetar futuros, ou ter esperanças. Tudo está cheio de destinos de tornar-se diferentes coisas – mas esses devires são futuros do presente. O polemos é feito da culatra; dos tiros que escapam para outra parte. Projetamos futuros quando estagnamos alguma coisa para que alguma caravana passe. Arrumamos a casa. E eu já vi que as pipetas dos laboratórios também trincam quando há terremotos.

Heráclito, obras completas (intro)

Escrevi essa introdução como um exemplo. É bom exemplo? Acho que podemos começar mais ou menos assim.


Dizem que os filósofos nascem, pensam e morrem. Não importa quanto tempo eles passaram com hidropisia. Nem importa quantas vezes eles saíram procurando lugares secos que umedecem. Mas importa que eles pensem, em qualquer parte, de dia ou de noite, com o fogo ou com a água na cabeça. Heráclito, por exemplo, continuou pensando um tanto nas sombras, um tanto nas periferias das tradições respeitadas. Ele ficou a deriva por séculos, mas pinicando a cabeça de quem tentava pensar no fogo, nos rios e nas tramas entrelaçadas entre fogos e rios. Nem é que o Obscuro se achou imortal – as exceções às generalidades repetidas aos sete ventos são difíceis de encontrar, precisando às vezes de muito mais milênios. Mas ele continuou pensando – de novo, nada de excepcional, ele apenas saiu pelo mundo, primeiro por terras jônicas, depois península por península até outras terras secas e úmidas, de vez em quando sussurrando coisas pelos ouvidos das pessoas. Heráclito, que sempre teve um corpo desobediente, foi discreto. Ele queria insinuar com seu orgulho safado que alguém tinha que encontrar uma rachadura espessa no ovo gigante parido pelo pensamento ático com matéria prima eleata. Tentou espetar seus sucessores, foi ácaro, coçou as virilhas de Epicuro, de Agostinho. Veio, por exemplo, a ser lente de desconcerto em meio às lentes que aumentavam algumas coisas para diminuir outras quando passou pela Holanda no tempo de Spinoza. Quase como um gato e sem carregar enxadas, sem vestir aliança, olhou uma vez grande para um filósofo de Paris: je frotte ta peau. Sempre continuou deixando fragmentos de seu livro sobre política que foi sempre chamado, Sobre a Natureza.

Ele trouxe muitos do que havia escrito para Deir Al Balah onde passou seus últimos anos. Morava em um quarto pequeno que dava para a cozinha e um pequeno quintal, ali compartia uma cama com dois gatos, Ahmed, que com seus oito anos gostava de contar histórias porque sempre podia adicionar dois ou três detalhes e Laila, com quem conversava e a quem dava suas mãos antes de dormir. Os bombardeios de Janeiro de 2009 destruíram o quarto, a cozinha e as paredes do quintal. Trechos do que teria sido a versão atualizada e expandida de seu livro foram encontrados em péssimo estado por seu amigo Abdul que era tio de Ahmet. Abdul, bem como sua amiga de Istambul Gonca Bahar, haviam lido partes do livro em encontros que Heráclito promovia nas sextas-feiras. Ambos tiveram muitos escrúpulos de incluir qualquer coisa entre o que seria a versão revisada do livro, que, segundo contam, o Obscuro tinha planos de publicar em menos de 5 anos, de alguma forma – talvez sob a forma de um romance em nome de alguma outra pessoa, ou mesmo como uma publicação anônima. Heráclito queria permanecer não-identificado. Gonca voltou de Istambul e recolheu o manuscrito já que Abdul dificilmente poderia sair do país. Ela começou a organizar o que sobrou do que seria o livro e tentar encontrar trechos que haviam sido deixados pelos cinco continentes durante as muitas andanças de Heráclito. Logo depois recebeu uma mensagem de um filósofo de Planaltina dizendo que tinha um manuscrito de um capítulo inteiro do livro de Heráclito dos tempos que ele passou escrevendo numa reserva indígena chamada Bananal perto de Brasília. Foi então que Gonca organizou um encontro com uma comitiva de heraclíticos do Brasil em Londres onde ficaram por três dias comparando notas em uma casa perto das Green Lanes. A comitiva era formada por Dona Geralda Carneiro, que havia passado anos com Heráclito em Bom Jesus do Galho, Alexandre Passarinho, que organizou um seminário discretíssimo sobre o polemos na casa do Obscuro em São Miguel do Gostoso, Lúcia Garrido que fez uma longa entrevista com o filósofo em uma praia e nós, três filósofos que procuravam material para publicar um livro de fragmentos pré-socráticos inéditos. Nós chegamos inseguros pelo privilégio de estar folheando um espólio cheio das coisas que nós estávamos procurando – e encontrando. Precisamos de algumas horas para começar a gritar por nossas maneiras de fragmentar os textos. Gonca organizou o encontro no estilo do velho Heráclito – uma casa ao invés de hotéis ou universidades, e bastante discrição. O universo já faz estardalhaço demais, ela dizia; melhor é o combate reservado. A casa era pequena, dois quartos emendados no andar debaixo, dois quartos separados no andar de cima – um banheiro no meio da escada. Estava toda cheia de livros, na maioria sobre variações dos hieróglifos maias e sobre evolução das espécies marinhas.

Uma amiga russa que havia passado anos com Heráclito foi quem cedeu a casa. Tatiana Rothkova estava na califórnia e nem pretendeu voltar para o encontro – ela gostava de deixar suas longas conversas com o Obscuro, na maioria delas no quarto e nos labirintos do metrô, fanar como fotografias. Para que fazer um livro – ela preferia o Heráclito falado; lembrava de frases inteiras dele, compostas com seus gestos, seu jeito de dobrar o braço, suas sobrancelhas quase sempre levantadas e, claro, suas lágrimas, mais ocasionais do que sugeria sua fama. Para ela, ele era um refugiado, e também um fugitivo. Ele não gostava muito de ser visto e preferia sair pelas ruas de Londres quando estava frio e ele se cobria de véus, chapéus e mantos – ela dizia que era ela que amava esconder-se. Ele às vezes falava com nostalgia de muitos lugares que ele talvez nunca tivesse completamente estado; mas fabular com ele por horas não tinha nada que ver com os registros escritos ou documentados da história. Ela o ajudava a cuidar de suas identidades – já havia apresentado um passaporte grego, um brasileiro e outro canadense às autoridades inglesas. Seus nomes todos tinham que durar pouco tempo – jamais portar o mesmo documento duas vezes, ele dizia.

No primeiro dia, a eletricidade foi cortada por horas nas ruas ao norte de Finnsbury Park. Sem computadores e sem aquecimento, vestimos nossos casacos todos e ficamos lendo algumas páginas desordenadas que Gonca havia trazido a luz cinza pálida que vinha da janela. Foi nesse momento que percebemos que não haveria nada a fazer a não ser numerar os fragmentos do texto e apresenta-los como tal. As páginas do livro não poderiam ser numeradas e os trechos que foram trazidos do Bananal não se alinhavam de maneira óbvia entre nenhum dos trechos de Gaza. Heráclito deveria ter uma ordem dos seus escritos na cabeça e as páginas pareciam que tinham sido ordenadas nos últimos anos. Mas a ordem não era evidente. Das primeiras partes do livro, que teriam sido, segundo sua indicação, uma tradução e revisão mínima do que e havia conservado de seu livro de Efesos, sobrou muito pouco e, de novo, tivemos que apelar para a maneira padrão de apresentar esses fragmentos até agora. Apenas algumas revisões estiveram claras o suficiente no manuscrito para nos dar confiança de publicá-las. De qualquer maneira, o esqueleto do que seria esse livro começou a aparecer naquela tarde. Seriam fragmentos. Ainda restava comparar notas em muitas partes do mundo – e com cuidado. Gonca tinha pressa, ela achava que o livro não poderia demorar mais do que os 5 anos que Heráclito queria esperar por ele.

Não sabemos quando os diferentes trechos foram escritos. Alguns podemos datar pelo seu conteúdo ou em conversas com pessoas que estavam por perto quando foram escritos. Mas esses processos são inseguros. Não é claro também porque Heráclito decidiu publicar o manuscrito em português – ainda que tivesse versões de quase tudo em muitas línguas. Gonca conversava com ele em turco, mas conhecia apenas a versão árabe e inglesa dos seus escritos. A versão russa, francesa, italiana e dinamarquesa coincidem em quase tudo quanto diferentes línguas podem coincidir. Uma versão mandarim parece destoar em quase tudo – mas os anos do Obscuro na China são anos dos quais ele sempre falou muito pouco, pelo menos em português, em inglês e em turco. Não temos notícia de uma versão em grego – e nem sequer que ele tenha passado mais do que algumas semanas de verão na Grécia. Com exceção, é claro, do tempo em que ele foi filmado em Creta e do qual pouco sabemos. Na cena inicial de “Longe das Origens”, no meio dos senhores jogando gamão perto do porto de Heraklion de manhã cedo, há uma mesa em que uma pessoa de idade indecifrável olha para o alto e chora. O tabuleiro estava aberto diante dele. O gesto é dele. A postura do braço é dele. Nunca conseguimos saber em que etapa do jogo ele estava.