miercuri, 31 decembrie 2008

algumas primeiras doxografias (para encerrar bem o ano, pois é bom encerrar começando)



1- No seu fragmento 147, Heráclito tenta responder à sugestão de Deleuze que a política deva ser pensada antes da ontologia (Mil Platôs). A questão de Heráclito é a tentativa de lidar com o problema que emerge após os principais investimentos da filosofia contemporânea continental, especialmente depois de Heidegger, de Agamben e do próprio Deleuze. O panorama é o seguinte: na ontologia sem metafísica de Heidegger, o ser deixou de ser substância, substantivo, presença e desvelou-se como verbo, acontecimento, evento, um inapreensível fundamento nulo, o sem fundo de um abismo cujo véu é o nada. Pela primeira vez o ser “não é”. Esse âmbito do negativo – o inapreensível, o indizível, o sem fundo abissal – foi superado em Agamben, para quem o ser é aquele que pronunciamos e precisamos pronunciar (por questões políticas!), todavia, sem que o fixemos na palavra. Agamben fala do “ser qualquer” ou da singularidade qualquer, o vulto. Mas será com Deleuze que a ontologia será completamente desconstruída em uma dança de devires, linhas de fuga, velocidades e rizoma, onde o ser já não encontra mais nenhum lugar. Assim, Deleuze afirmará que antes da ontologia precisamos pensar a política. Para Heráclito, portanto, a pergunta é inevitável: depois de Heidegger, Agamben e Deleuze, que ontologia nos resta? O seu fragmento-pergunta vem sugerir que a inversão entre ontologia e política operada por Deleuze, que aponta, talvez possamos afirmar, para a superação da ontologia, não é um caminho necessário, nem mesmo o melhor caminho. Mas não significa que tudo deva permanecer como antes. Como testemunhamos em outros fragmentos, para o filósofo grego, a ontologia que resta é uma ontologia do polemos, ou seja, uma ontologia do embate vigoroso que se dá, como sugeriu algumas vezes, por meio de pequenos des-locamentos ou por dis-posições – uma ontologia despótica. O polemos diz o modo como as coisas são. Todavia, porque o polemos remete a uma micropolítica dos pequenos des-locamentos, nessa ontologia, ética e política se misturam. Portanto, a ontologia não é mais superior à ética e à política como aspirava Aristóteles, mas tampouco a política e a ética são anteriores à ontologia, como desejavam Deleuze e Lévinas. Podemos, enfim, despedirmo-nos da pretensão de uma filosofia primeira. Heráclito quer pensar uma ontologia na qual ser e política necessariamente se confundem. Assim como defendeu belamente no seu fragmento 128: “sem o risco do político não há o que fique na natureza.”

2- No fragmento 154, Heráclito deixa escapar a clara influência sofrida de Deleuze. O filósofo francês afirma: “(...) É verdade que Heidegger conserva o tema de um desejo ou de uma philia, de uma analogia, ou melhor, de uma homologia entre o pensamento e o que existe para ser pensado. É que ele guarda o primado do Mesmo, apesar de supor que este reúne e compreende a diferença como tal. Daí as metáforas do dom, que substituem as da violência” (Diferença e repetição, p.210, nota 9). Embora Deleuze não tenha sido suficientemente justo com Heidegger, pois parece não ter considerado Introdução à Metafísica onde aparece, explicitamente, o tema da violência na discussão de Heidegger sobre o polemos heraclítico, é fato que o ser como dom é aquele que impera no pensamento do filósofo alemão. Assim, parece que o polemos termina “domesticado“ pela philia. Ora, mas o polemos domesticado é o que Heráclito não quer. Por isto afirma que o polemos, e não a philia, diz respeito ao acontecimento das coisas.

3- É sabido que Heráclito, tendo conhecido muitos poetas, tantas vezes preferia a poesia à filosofia. É que o poema parecia ser mais íntimo às coisas. Isso ele invejava em Empédocles, que era mais talentoso para filosofar “poeticamente”, como dizem alguns. Enfim, o que importa é que Heráclito, que teve a oportunidade de conhecer Leminski, inspirado pela sua poesia, não hesitou em afirmar o que ficou conhecido como seu fragmento 153. É que, para o filósofo grego, o poeta traduziu o polemos como nenhum outro filósofo seria capaz. Nas palavras de Leminski: “(...) arrisco crer ter atingido um horizonte longamente almejado: a abolição (não da realidade, evidentemente) da referência, através da rarefação.” Para Heráclito, o polemos nada mais é do que o enfraquecimento (não a negação) da referência.

4- Quando nos aproximamos de Heráclito, o Obscuro, precisamos ter olhos e ouvidos bem abertos. Lemos o fascinante e enigmático fragmento 138 e nos perguntamos: mas como podemos “nos separar” do polemos? Será que tudo o que há não é, na verdade, embate polêmico? Inclusive as separações? E será que não era isso mesmo o que Heráclito desejava mostrar? O mesmo pode ser dito do fragmento 148: ora, como esquecer o polemos? Não acredito que Heráclito tenha afirmado outra realidade oposta ao polemos, que tenha erguido inimigos externos e polarizado a guerra em um raciocínio binário, mas, de modo diverso, que tenha apenas tentado nos fazer ver, como gosta de dizer, o sentido despótico do polemos que perfaz tudo. Mesmo quando “pomos” e o polemos “dis-põe”, como anuncia o fragmento 140 – um dos mais belos de Heráclito e que nos conta uma verdade inegável –, podemos entender esse diálogo como um jogo de deslocamentos do mesmo (não do idêntico!) que compõe a sinfonia dos devires. Um devir é puro embate polêmico. Também as identificações, individuações, especificações, tipificações e registros são constantemente exigidos e, ao mesmo tempo, desconstruídos pelo polemos, pois são sempre aquilo que instauramos “a partir” do polemos. Interpretamos essa condição não como uma oposição, mas como uma co-operação que, por sua vez, não afirma um ajustamento de dois distintos, senão um emaranhado de forças e dis-posições. Seja como for, não temos nunca a banalidade de uma mera oposição polarizada. E a leitura que estamos defendendo fica clara, por exemplo, pelos fundamentais fragmentos 155, 152 e 137, entre alguns outros. Sabemos, todavia, que tudo isso ainda precisa ser melhor esclarecido.

5- Quem não compreendeu como podemos nos separar do polemos ou como podemos dele nos esquecer, não entendeu que a physis, que é polemos, gosta de ocultar-se (frgs. 156 e 157). Os poderosos da vez (frg.138) e a Política (frg.148) não são oposições ao despotismo polêmico, mas desdobramentos que sobram quando o polemos escapa de repente, sem dar qualquer aviso, pela porta dos fundos. Ou mesmo resistências que impomos quando nos incomodamos de recebê-lo, repentinamente, em nossa sala de visitas pela porta da frente. Não somos “outro” do polemos, mas somos e estamos no próprio polemos, mergulhados no embate polêmico com tudo o que há. O que nos falta compreender é que os sentidos dos des-locamentos são infinitos e vão das revoluções aos embalsamentos. Mas nada é fixo embora, às vezes, possamos nos iludir a respeito. Os muitos des-locamentos esbarram continuamente uns nos outros – amam-se e estranham-se e criam novas dis-posições. Tudo é desejo.

6- O desejo, para Heráclito, não é uma disposição psicológica nem tampouco remete a algum tipo de subjetivismo. Isso Heráclito sabiamente decidiu manter da antigüidade grega, em particular, pré-socrática: a inexistência do sujeito e de qualquer tipo de subjetividade. Melhor assim, pensava o filósofo, para quem a idéia de sujeito ou mesmo a de interioridade causava arrepios. De nenhuma forma o filósofo grego propõe um humanismo. Desejos são forças dis-postas, forças despóticas que assumem certas direções e não outras, para depois assumir outras e não certas, em uma dança de devires fluídos e rizomáticos. Desejo é o acontecimento do polemos, como bem defendeu o filósofo (frg.160) e, para afirmá-lo ainda com mais clareza, em algum momento Heráclito referiu-se ao “amor envolvente” de Empédocles (frg. 159), a quem ninguém poderia acusar de humanista (como podemos notar, Heráclito tinha a mania de jogar humanismo, subjetivismo e interioridade no mesmo saco, sem qualquer distinção). Para ajudar Heráclito, poderíamos também falar de Buber, para quem, apesar do seu noto humanismo, o amor não é algo que alguém possui ou que de alguém emana, mas é o que acontece “entre” (Eu e Tu, p.17). Talvez isso nos traga alguma luz. Desejos são o “entre” (a dificuldade é entender se há algo que não seja “entre”- o que há além ou aquém dos desejos?). Os desejos constituem a micropolítica do polemos.

7- Muito se discutiu sobre o fragmento 119 de Heráclito: ethos antropos daimon. Destacamos duas posições - a de Heidegger e a de Agamben - que contestam a habitual interpretação do fragmento como “o caráter do homem é o seu demônio”. Tudo depende de como compreendemos daimon. Para o filósofo alemão, daimon significa “o Deus”. O “Deus”, por sua vez, pode ser entendido como o “não familiar”, o extraordinário, que, para Heidegger, nada mais é além do acontecimento do ser. O daimon traduz, portanto, a presença do extraordinário no ordinário. Daqui podemos interpretar o ethos, entendido por Heidegger como a habitação humana, como o espaço de manifestação da verdade do ser e, assim, o filósofo alemão pôde ler o fragmento 119 da seguinte forma: “a habitação (o familiar) é para o homem o aberto para a presentificação do Deus (o não familiar)” (Carta sobre o humanismo, tradução de E. Stein). Agamben discordará desta leitura. Para o italiano, daimon não representa a figura divina, mas é esclarecido a partir do verbo daiomai que significa “lacero, dividido”. Portanto, temos daimon, o que lacera, cinde e divide (A linguagem e a morte, p.128). Desse modo, para Agamben, o fragmento de Heráclito fica assim: “ O êthos, a morada habitual, é , para o homem, aquilo que lacera e divide”. A interpretação do filósofo italiano abre uma compreensão muito nova sobre o fragmento heraclítico e, à luz dos fragmentos posteriormente encontrados, remete-nos imediatamente ao polemos. O que lacera e divide pode ser lido como o que des-loca e dis-põe. Poderíamos, então, dizer: “a morada habitual do homem é o seu polemos”. O humano somente está “em casa” habitando o polemos. Daí podemos arriscar esclarecer os novos fragmentos 164 e 167. Tudo que acalma, tudo que acomoda, tudo o que é virtuoso é um demônio para o humano porque corrompe enquanto separa do polemos. Mas, por outro lado, o próprio polemos, ou seja, tudo o que cinde e divide, tudo o que dis-põe, é uma virtude para o humano porque lança-o no acontecimento das coisas. O polemos é o nosso ethos.

Mais um!

167. O demoníaco é para o homem uma virtude.

marți, 30 decembrie 2008

Outros mais...


161. Certa vez asseverei: “O asno prefere o feno ao ouro”. Não sei se me entenderam, de forma que hoje quero dizer, dessa vez de forma cômica: “O homem prefere o ouro ao feno!”

162. O sol enquanto luz obscurece pois revela em excesso (...) somente o raio enquanto clarão das trevas ofusca e cega o bastante para iluminar e dispor.

163. Somente os que se escondem bem podem se poupar dos aborrecimentos da lei (...) mesmo a natureza busca se esconder das leis que lhe são atribuídas.

164. A virtude é para um homem o seu demônio.

165. O conflito envolve todas as coisas na problematização na mesma medida em que faz-se escutar enquanto lógos e se roçar enquanto natureza.

166. As crianças são as mais espertas ainda que tratadas como retardadas, enquanto os homens são os mais retardados ainda que tratados como os mais espertos.

sâmbătă, 27 decembrie 2008

Mais fragmentos...



156. Nunca compreendi porque traduzem physis por “natureza”(embora eu mesmo, um tanto confuso, tenha assumido essa interpretação uma ou outra vez). A partir de tal interpretação, o meu fragmento 123 é comumente lido assim: ”a natureza ama esconder-se”. Mas como poderia a natureza esconder-se? – pergunto atônito. A natureza está aí, e a ciência a incomoda constantemente com os seus dedos curiosos e impertinentes. Physis é bem outra coisa. Gosto particularmente daquela sugestão de Heidegger – “vigor imperante”. Em uma leitura livre, diria que a physis não é a coisa, mas o vigor: o florescer da rosa, o cantar de todo o canto, o dar-se de todo ser. Somente a physis, assim compreendida, pode ocultar-se! Quem já deteve o vigor que emerge? Apreende-se, sem dúvida, uma rosa, mas não o seu florescimento.

157. Porque a physis é o vigor (e não propriamente a coisa), posso dizer que physis e polemos são o mesmo. É que a physis não é suave linha que desenha e define, mas turbilhão que dissemina e arrebata. Physis é inauguração e ruptura. Como a explosão de uma fonte do íntimo da terra úmida.

158. Costumam atribuir a mim a palavra grega philósophos que remeteria àquele que ama o sophón. Daí muita coisa mais se disse, como: “o elemento específico de philein do amor, pensado por Heráclito, é a harmonia que se revela na recíproca integração de dois seres, nos laços que os unem originariamente numa disponibilidade de um para com o outro”. (Heidegger, O que é isto- a filosofia?, p.32) Mas é preciso compreender bem, pois eu defenderia que a dis-ponibilidade nada mais é senão o embate do polemos . Humano e sophón se amam enquanto se entranham e se desentranham. Somente no conflito, o amor. O amor que des-faz e des-loca. O amor que é diálogo do estranhamento fascinado.

159. Mas como entender a micropolítica do polemos? Como pequenos des-locamentos, já afirmei certa vez. E o que são, afinal, esses ditos des-locamentos? – poderia alguém curioso ou confuso perguntar. Nada além de “desejos” – respondo eu. Ou talvez, para usar uma delicada expressão de Empédocles da qual gosto muito, “amor envolvente” (o que envolve não é o que absorve e acomoda, mas o que abre e amplia, o que dis-põe, como a brisa do mar que invade as narinas ou o sal das águas que arde na pele depois do enfrentamento das ondas. Falo do amor dos que não dormem).

160. Desejo e polemos são um.

joi, 25 decembrie 2008

Fragmentos de Heráclito de 125 a 155

125. Até aveia se separa se não for mexido, agitado. E, Efésios, que vocês fiquem sendo ricos para que seja exibida a sua ruindade.

126. Coisas frias esquentam, o que é quente esfria; o que é molhado seca e o que é úmido estorrica.

Nem só de 126 fragmentos vive nossa memória de Heráclito. O homem fragmentou muito mais, ainda que a harmonia visível daqueles primeiros 126 pedaços pareça superior a qualquer harmonia invisível de fragmentos perdidos pelas gavetas de filósofos cheios de segredos. É que Heráclito não quis mais saber de Efesos depois que a cidade expulsou Hermodoro. Aproveitou e seguiu o melhor homem - que nunca havia entrado no mesmo mar duas vezes - para o norte e chegaram a Assos de onde contemplavam Lesbos, a ilha de Sapho trêmula onde deitaram em umas ondas ofegantes. Ali, naquela praia sempre cheia de turcos e espreguiçadeiras e onde começaram a esfregar physis e nous, Heráclito começou a largar mais fragmentos. Houve um dia em que ele encontrou uma turista remota e enviou seus alfarrábios para um lugar seco que umedece. Ela lhe prometeu que iria para o cerrado ao redor de Brasília, guardá-los em uma casa em cima de uma árvore. Com as escavações arqueológicas promovidas pela tentativa de construir o setor noroeste da cidade, os fragmentos foram encontrados. O Instituto de Patrimônio Heraclítico assegurou que o texto é completamente espúrio, que não tem valor arqueológico algum - seria uma mera invenção de uns poucos intérpretes de Heráclito que nem sequer formam uma tribo. Vejam vocês:


127. Nem só de esconder-se brinca a natureza. Também sopra balões, reune-se em rodinhas de briga de galo, come chocolates e procura recantos secretos para deitar-se com o logos. Diz-me muito mal das tais leis que ultimamente todos lhe atribuem: diz que elas estão cheias de casuísmos e foram outorgadas por alguém que nunca sentiu o ar aquecido pelas patas das joaninhas que andarilham nos fins de primavera. São leis que ninguém consegue cumprir. Lei, como eu disse no já meu fragmento 33 de saudosa memória, é persuadir-se a vontade de um só. A natureza gosta de espalhar as vontades, de contrapor as forças, de ver o que acontece à ordem quando ela é posta em uma campo de refugiados. Li um fragmento contemporâneo que diz que a natureza gosta de reembaralhar as perguntas, para que ninguém lhe responda de uma vez por todas. Ela não faz nada de uma vez por todas - gosta de refazer, e de burilar, de retocar e de por tudo a perder refazendo todos os entes com areia molhada e os dispondo na beira do mar.

Alguns aforismos que se seguem testemunham a afluência de filósofos desde Crátilo sobre Heráclito. Heráclito começou peregrinando pela Jônia:

128. Em verdade, não deixamos de entrar duas vezes no mesmo rio como anteriormente afirmei (frg.91), mas não entramos sequer uma única vez. As águas nunca são as mesmas. Crátilo viu bem que uma vez já é vez demais. Aquilo que permanece fixo, é mundo embalsamado – sem o risco do político não há o que fique na natureza. Crátilo dizia que a água que chega a planta do pé não é a mesma que chega ao calcanhar. E nem sequer a água que molha a planta do pé é a mesma. Nem a mesma gota, nem o mesmo pingo. Nem a mesma enxurrada.

Heráclito, depois da Jônia, parece que esteve mesmo em Agrigento, no coração da que é eleata, e andou pelos rochedos perto do mar respirando e inspirando Empédocles. Sobraram uns fragmentos:

129. De tudo decorrem emanações. Cabelos emanam, folhas emanam. Empédocles já foi planta e pássaro, moço e moça, pois sabia que nada cauteriza o polemos. Nem se controla o explendor das vinganças subreptícias substituindo florestas por jardins. A discórdia não pára nem com liminar da justiça.

130. De todas as partes pode provir o rompimento, tudo pode irromper; as conspirações são os sopros e as respirações das coisas. As unidades se quebram, mas nem é que no limite da quebradeira encontramos algum constituinte atômico: é feito de fugas o que há. Cada parte, desde o mais miúdo até às constelações amontoadas, carrega a potência do rompimento. [...] E nem sequer é o polemos alguma matéria-prima, qualquer matéria pode trair seu estatuto de prima.

Há trechos na grande peregrinação de Heráclito em direção a um ocidente ao ocidente do ocidente que nunca foram desenhadas em um itinerário. Por onde teria andado aquele Obscuro quando a Europa se enchia de artimanhas para confinar o polemos nos confessionários? Dos muitos volumes sobre a natureza, como de hábito, sobraram apenas uns poucos fragmentos.

131. Tudo depende do polemos, até o medo e a tentação pelo polemos.


133. Logos é polemos; diz Heidegger (Intro a Metafísica, 2, 1) que são mesmo o mesmo. Logos, entendido como Heidegger quer, é o que depõe, não é o que nega e nem o que instaura, mas o que des-põe, o que é o déspota – é assim que ele me entende quando digo que o polemos "cria alguns como escravos, outros como mestres" (fragmento 53).

Mas parece que Heráclito aprendeu com Crátilo a desacreditar na comunicação através das línguas e lia cada tradução como se fosse um novo texto.

134. A tradução brasileira da interpretação de Heidegger do meu fragmento 53 (Introdução à Metafísica, p.89) possibilita uma intuição fecunda acerca do polemos. Parece-me um dos raros casos em que a tradução supera o autor. Para esta tradução brasileira, a palavra alemã Auseinandersetzung, usada por Heidegger para traduzir polemos para a língua alemã, é lida, no contexto da reflexão heideggeriana, como “dis-posição”. Atenção a esta palavrinha aparentemente inocente. A partir dela, o polemos deixa de representar o conflito binário entre opostos e começa a dizer-se como algo que desfaz uma posição, que des-loca. O polemos, assim, pode assumir múltiplas possibilidades antes impensadas, como uma rede de possibilia emaranhadas e distintas que se esbarram e se abandonam freneticamente. O polemos, assim compreendido, não exige mais inimigos, mas apenas e tão somente anuncia contínuos des-locamentos.

135. O polemos é o principio pelo qual a dis-posiçao hierárquica dos esbarroes em seu grau de intensidade se dá e por isso o princípio produtor daquilo que se mostra como ser.
Heráclito também passou por grandes cidades e atravessou grandes montanhas. Preferia se mover devagar, parece que aprendeu um pouco da paciência eleata.

136. Os “pequenos deslocamentos” chegaram até mim por meio de Agamben (La communitá che viene, pp.45-47). O filósofo cita Bloch: "Tutto sarà com'é ora, solo un po' diverso." Para que venha o Novo Reino, defende o filósofo italiano, basta que ocorram pequenos deslocamentos. Ora, mas o que são estes pequenos des-locamentos senão dis-posições polêmicas?


137. Apesar da tradução brasileira de Auseinandersetzung (polemos) como dis-posição, verdade seja dita: Heidegger terminou por submeter esta dis-posição à relação ente-ser e, assim, sua fecunda intuição (ou intuição da tradução brasileira?) sucumbiu ao binarismo. Vemos, então, o embate violento entre ente e ser em Introdução à metafísica, que se transforma, na Origem da Obra de Arte, no embate terra-mundo. Mas o polemos é outra coisa. Como afirmou certa feita Deleuze (sem, propriamente, referir-se ao polemos), “não se trata de resolver tensões no idêntico, mas de distribuir disparates numa multiplicidade” (Diferença e Repetição, p. 86). O mesmo digo eu do polemos.

138. O mais forte, eu gostava de dizer, ganha não pela lei do mais forte, mas porque é o mais forte - e se pendurar nos valores estabelecidos (ao invés de depô-los, de dispô-los e de tratá-los como um déspota trataria) como fazem os poderosos da vez, enfraquece, pára o polemos; conta que vai ficar posto o que alguém já pôs (Ständigkeit). As forças estão no polemos - a fraqueza na nossa separação dele.

139. Logocentrismo vs polemocentrismo: o polemos não tem centro - talvez o logos de Heidegger também não tenha. Mas há um tema de pós-humanismo aqui: no começo era o polemos não é no começo era o logos a não ser que o logos esteja por toda parte. Confinar a política aos domínios onde a natureza se cala - e pensar com a fronteira entre o que é natural e o que não é (ou o que já não é) - é separar a physis do logos, e a physis do polemos. Talvez tenha melhor resultado a seguinte performance: declaro que o polemos é logos e que é physis. E calar quanto a transitividade.

140. O déspota não é um sujeito - o polemos é o escombro do Gott ist Töt; o polemos é o Gottdammerung. No polemos não há o próprio; o próprio é o que está livre do assalto do mundo, o que está escondido na caverninha íntima das coisas e polemos é sempre Wesendammerung. Assim as disposições - as disposições são a marca do impróprio em nós. O polemos é déspota que sempre des-põe, que nunca se transforma de forte em poderoso. O polemos é o impacto das possibilia sobre nós: nós pomos (identificamos, individuamos, especificamos, tipificamos, registramos) e o polemos dispõe.

141. A substituição da physis que é polemos por um domínio de leis (a natureza que deixou de ser forte para ser poderosa, para ser guardiã das necessidades caprichosas que são as leis da natureza - que passou a ser governante e não mais déspota) empurrou para longe as disposições soltas, a physis foi colonizada de ordem e progresso - o polemos foi empurrado na vala comum do acaso.

142. O polemos é o que torna as coisas prenhes. Todas as coisas tem seu nascimento e fazem nascer; a falsificação que as maiorias fazem é dizer que as coisas desaparecem – inventam um deus da escassez. Já a abundância é que faz a queda de braço entre todas as coisas.

143. Heidegger diz que a percepção é o acontecimento que toma conta dos homens. A percepção é incorporação, é conta sendo tomada – pelos olhos, pelas ventas, pelas antenas, pelas areias. Tudo toma conta de tudo. [...] vento, fogo e poeira – tudo invade tudo.

144. Os homens, para alcançarem o logos deveriam tornar-se like rolling stones.

145. O polemos, a partir da sua original leitura como dis-posição, define uma micropolítica dos des-locamentos. O modo de ser das coisas não é algo dado, uma substância, um ser, mas dis-posições polêmicas que, em seus pequenos e constantes des-locamentos, tecem a sua micropolítica. Wesendammerung?


146. Muito depende de como compreendemos o “mesmo”. O mesmo não é a identidade do idêntico, mas o acontecimento da diferença, assim como bem entendeu Deleuze (Diferença e Repetição, p.92) ou como eu mesmo outrora, de certa forma, sustentei (frgs. 8 e 10).

147. Então, pergunto a Deleuze: como pensar a política antes da ontologia?


148. As Políticas (ou macropolíticas) nascem das referências que inventamos. Porém, a Política, enquanto se afirma referência, precisa se opor ao modo de ser polêmico das coisas. A Política nada mais é do que o esquecimento do polemos. Que as Políticas sejam superadas pelos pequenos des-locamentos, essa é a nossa micropolítica. Uma política minimalista do trânsito das ontologias. Uma micropolítica do polemos.


149. Recordando o que dizia, “eu me procurei a mim próprio” (frg.101). Porém, depois descobri, não sem surpresa, que eu era sempre outro de mim e que o “próprio” não passava de uma dança de devires. Demorei a entender porque ainda não havia encontrado Deleuze naquela bela tarde entre amigos.

150. [...] em mim encorporam os filósofos que não põem garras nas coisas [...]

151. Esterco contém a água – mas cada coisa, como eu disse (fr. 16), não pode escapar do que não se põe se bem que possa dispor de tudo. Aquilo que se põe se depõe – talvez esteja aí uma diferença ontológica. Mas do que não podemos escapar?

152. Os pequenos des-locamentos não são antíteses de teses. Não submetemos o polemos à identidade.

153. A rarefação enfraquece a referência.

154. Polemos, e não philia. Este é o acontecimento das coisas.

duminică, 21 decembrie 2008

Fragmentos impávidos II

Depois do seu mais belo fragmento, o 127, Heráclito perdeu sua criatividade e escreveu aforismos mais sisudos, como poderão testemunhar. O fragmento 128 demonstra até certo arrependimento e os fragmentos 135 e 138 foram plagiados de um blog.

128. Em verdade, não deixamos de entrar duas vezes no mesmo rio como anteriormente afirmei (frg.91), mas não entramos sequer uma única vez. As águas nunca são as mesmas.
129. Tudo depende de como compreendemos o “mesmo”. O mesmo não é a identidade do idêntico, mas o acontecimento da diferença, assim como bem entendeu Deleuze (Diferença e Repetição, p.92) ou como eu mesmo outrora, de certa forma, sustentei (frgs. 8 e 10).
130. A tradução brasileira da interpretação de Heidegger do meu fragmento 53 (Introdução à Metafísica, p.89) possibilita uma intuição fecunda acerca do polemos. Parece-me um dos raros casos em que a tradução supera o autor. Para esta tradução brasileira, a palavra alemã Auseinandersetzung, usada por Heidegger para traduzir polemos para a língua alemã, é lida, no contexto da reflexão heideggeriana, como “dis-posição”. Atenção a esta palavrinha aparentemente inocente. A partir dela, o polemos deixa de representar o conflito binário entre opostos e começa a dizer-se como algo que desfaz uma posição, que des-loca. O polemos, assim, pode assumir múltiplas possibilidades antes impensadas, como uma rede de possibilia emaranhadas e distintas que se esbarram e se abandonam freneticamente. O polemos, assim compreendido, não exige mais inimigos, mas apenas e tão somente anuncia contínuos des-locamentos.
131. Os “pequenos deslocamentos” chegaram até mim por meio de Agamben (La communitá che viene, pp.45-47). O filósofo cita Bloch: "Tutto sarà com'é ora, solo un po' diverso." Para que venha o Novo Reino, defende o filósofo italiano, basta que ocorram pequenos deslocamentos. Ora, mas o que são estes pequenos des-locamentos senão dis-posições polêmicas?
132. Apesar da tradução brasileira de Auseinandersetzung (polemos) como dis-posição, verdade seja dita: Heidegger terminou por submeter esta dis-posição à relação ente-ser e, assim, sua fecunda intuição (ou intuição da tradução brasileira?) sucumbiu ao binarismo. Vemos, então, o embate violento entre ente e ser em Introdução à metafísica, que se transforma, na Origem da Obra de Arte, no embate terra-mundo. Mas o polemos é outra coisa. Como afirmou certa feita Deleuze (sem, propriamente, referir-se ao polemos), “não se trata de resolver tensões no idêntico, mas de distribuir disparates numa multiplicidade” (Diferença e Repetição, p. 86). O mesmo digo eu do polemos.
133. O polemos, a partir da sua original leitura como dis-posição, define uma micropolítica dos des-locamentos. O modo de ser das coisas não é algo dado, uma substância, um ser, mas dis-posições polêmicas que, em seus pequenos e constantes des-locamentos, tecem a sua micropolítica. Wesendammerung?
134. Então, pergunto a Deleuze: como pensar a política antes da ontologia?
135. As Políticas (ou macropolíticas) nascem das referências que inventamos. Porém, a Política, enquanto se afirma referência, precisa se opor ao modo de ser polêmico das coisas. A Política nada mais é do que o esquecimento do polemos. Que as Políticas sejam superadas pelos pequenos des-locamentos, essa é a nossa micropolítica. Uma política minimalista do trânsito das ontologias. Uma micropolítica do polemos.
136. Recordando o que dizia, “eu me procurei a mim próprio” (frg.101). Porém, depois descobri, não sem surpresa, que eu era sempre outro de mim e que o “próprio” não passava de uma dança de devires. Demorei a entender porque ainda não havia encontrado Deleuze naquela bela tarde entre amigos.
137. Os pequenos des-locamentos não são antíteses de teses. Não submetemos o polemos à identidade.
138. A rarefação enfraquece a referência.
139. Polemos, e não philia. Este é o acontecimento das coisas.

vineri, 19 decembrie 2008

Essa são as pgs 66 e 67 de introdução a metafísica de heidegger, nas quais ele trata do pólemos.

Heraklit sagt (Frgm. 53): polemos panton men pater esti, panton de basileus, kai tous men theous edeixe tous de anthropous, tous men doulous epoiese tous de eleutherous.
Auseinandersetzung ist allem (Anwesenden) zwar Erzeuger (der aufgehen laBt), allem aber (auch) waltender Bewahrer. Sie laBt namlich die einen als Gotter erscheinen, die anderen als Menschen, die einen stellt sie her(aus) als Knechte, die anderen aber als Freie.
Der hier genannte polemos ist ein vor allem Gottlichen und Menschlichen waltender Streit, kein Krieg nach menschlicher Weise. Der von Heraklit gedachte Kampf laBt im Gegeneinander das Wesende allererst auseinandertreten, laBt Stellung und Stand und Rang im Anwesen erst beziehen. In solchem Auseinandertreten eroffnen sich Klufte, Abstande, Weiten und Fugen. In der Aus-einandersetzung wird Welt. [Die Auseinandersetzung trennt weder, noch zerstort sie gar die Einheit. Sie bildet diese, ist Sammlung (Logos). Polemos und logos sind dasselbe.]
Der hier gemeinte Kampf ist ursprunglicher Kampf; denn er laBt die Kampfenden allererst als solche entspringen; er ist nicht ein bloBes Berennen von Vorhandenem. Der Kampf entwirft und entwickelt erst das Un-erhorte, bislang Un-gesagte und Un-gedachte. Dieser Kampf wird dann von den Schaffenden, den Dichtern, Denkem, Staatsmannem getragen. Sie werfen dem uberwaltigenden Walten den Block des Werkes entgegen und bannen in dieses die damit eroffnete Welt. Mit diesen Werken kommt erst das Walten, die phisis, im Anwesenden
zum Stand. Das Seiende wird jetzt erst als solches seiend. Dieses Weltwerden ist die eigentliche Geschichte. Kampf laBt nicht als solcher nur ent-stehen, sondern er allein bewahrt auch das Seiende in seiner Standigkeit. Wo der Kampf aussetzt, verschwindet zwar das Seiende nicht, aber Welt wendet sich weg. Das Seiende wird nicht mehr behauptet [d. h. als solches gewahrt]. Es wird jetzt nur vor-gefunden, ist Befund. Das Vollendete ist nicht mehr das in Grenzen Geschlagene [d. h. in seine Gestalt Gestellte], sondem nur noch das Fertige, als solches fUr jedermann Verfugbare, das Vorhandene, darin keine Welt mehr weltet -vielmehr schaltet und waltet jetzt der Mensch mit dem Verfugbaren. Das Seiende wird Gegenstand, sei es fur das Betrachten (Anblick, Bild), sei es fur das Machen, als Gemachte und Berechnung. Das ursprunglich Waltende, die phisis, fallt jetzt herab zum Vorbild fUr das Abbilden und Nachrnachen. Natur wird jetzt ein besonderer Bereich im Unterschied zur Kunst und zu allem Herstellbaren und PlanrnaBigen. Das ursprunglich aufgehende Sichaufrichten der Gewalten des Waltenden, das phainesthai als Erscheinen im groBen Sinne der Epiphanie einer Welt, wird jetzt zur herzeigbaren Sichtbarkeit vorhandener Dinge. Das Auge, das Sehen, das ursprunglich schauend einstmals in das Walten erst den Entwurf hineinschaute, hineinsehend das Werk her-stellte, wird jetzt zurn bloBen Ansehen und Besehen und Begaffen. Der Anblick ist nur noch das Optische. (Schopenhauers» Weltauge« -das reine Erkennen ...)

marți, 16 decembrie 2008

Os fragmentos impávidos de Heráclito I

Nem só de 126 fragmentos vive nossa memória de Heráclito. O homem fragmentou muito mais, ainda que a harmonia visível daqueles primeiros 126 pedaços pareça superior a qualquer harmonia invisível de fragmentos perdidos pelas gavetas de filósofos cheios de segredos. É que
Heráclito não quis mais saber de Efesos depois que a cidade expulsou Hermodoro. Aproveitou e seguiu o melhor homem - que nunca havia entrado no mesmo mar duas vezes - para o norte e chegaram a Assos de onde contemplavam Lesbos, a ilha de Sapho trêmula onde deitaram em umas ondas ofegantes. Ali, naquela praia cheia de turcos e espreguiçadeiras e onde começaram a esfregar physis e nous, Heráclito largou mais fragmentos, muitos mais, 126 mais.
Ele os enviou por uma turista para um lugar longe da água. Ela lhe sussurrou que iria para o cerrado ao redor de Brasília e iria guardá-lo em uma casa em cima de uma árvore. Com as escavações arqueológicas promovidas pela tentativa de construir o setor noroeste da cidade, os tais fragmentos foram encontrados. O Instituto de Patrimônio Heraclítico assegurou que o texto é completamente espúrio, que não tem valor arqueológico algum - seria uma mera invenção de uns poucos intérpretes de Heráclito que nem sequer formam uma tribo. Vejam vocês:

127. Nem só de esconder-se brinca a natureza. Também sopra balões, reune-se em rodinhas de briga de galo, come chocolates e procura recantos secretos para deitar-se com o logos. Diz-me muito mal das tais leis que ultimamente todos lhe atribuem: diz que elas estão cheias de casuísmos e foram outorgadas por alguém que nunca sentiu o ar aquecido pelas patas das joaninhas que andarilham nos fins de primavera. São leis que ninguém consegue cumprir. Lei, como eu disse no já meu fragmento 33 de saudosa memória, é persuadir-se a vontade de um só. A natureza gosta de espalhar as vontades, de contrapor as forças, de ver o que acontece à ordem quando ela é posta em uma campo de refugiados. Li um fragmento contemporâneo que diz que a natureza gosta de reembaralhar as perguntas, para que ninguém lhe responda de uma vez por todas. Ela não faz nada de uma vez por todas - gosta de refazer, e de burilar, de retocar e de por tudo a perder refazendo todos os entes com areia molhada e os dispondo na beira do mar.

Disposições, conflito, deposições, logos

Logos é polemos; diz Heidegger (Intro a Metafísica, 2, 1) que são mesmo o mesmo. Logos, entendido como Heidegger quer, é o que depõe, não é o que nega e nem o que instaura, mas o que des-põe, o que é o déspota - "que cria alguns como escravos, outros como mestres", como no Heráclito no fragmento 53.

O mais forte, eu gostava de dizer, ganha não pela lei do mais forte, mas porque é o mais forte - e se pendurar nos valores estabelecidos (ao invés de depô-los, de dispô-los e de tratá-los como um déspota trataria) como fazem os poderosos da vez, enfraquece, pára o pólemos; conta que vai ficar posto o que alguém já pôs (Ständigkeit). As forças estão no polemos - a fraqueza na nossa separação dele.

Logocentrismo vs polemocentrismo: o polemos não tem centro - talvez o logos de Heidegger também não tenha. Mas há um tema de pós-humanismo aqui: no começo era o polemos não é no começo era o logos a não ser que o logos esteja por toda parte. Confinar a política aos domínios onde a natureza se cala - e pensar com a fronteira entre o que é natural e o que não é (ou o que já não é) - é separar a physis do logos, e a physis do polemos. Talvez tenha melhor resultado a seguinte performance: declaro que o polemos é logos e que é physis. E calar quanto a transitividade.

O déspota não é um sujeito - o polemos é o escombro do Gott ist Töt; o polemos é o Gottdammerung. No polemos não há o próprio, o próprio é o que está livre do assalto do mundo, o que está escondido na caverninha íntima das coisas e o polemos é Wesendammerung. Assim as disposições - as disposições são a marca do impróprio em nós. O polemos é déspota que sempre des-põe, que nunca se transforma de forte em poderoso. O polemos é o impacto das possibilia sobre nós: nós pomos (identificamos, individuamos, especificamos, tipificamos) e o polemos dispõe.

A substituição da physis que é polemos por um domínio de leis (a natureza que deixou de ser forte para ser poderosa, para ser guardiã das necessidades caprichosas que são as leis da natureza - que passou a ser governante e não mais déspota) empurrou para longe as disposições soltas, a physis foi colonizada de ordem e progresso - o polemos foi empurrado na vala comum do acaso.